As desigualdades sociais e o fosso entre rendimentos na
maioria das sociedades do Ocidente não têm diminuído nos últimos trinta anos. Muito
pelo contrário. Julgo que um economista empenhado e de espírito independente não
teria dificuldades terríveis em demonstrar como
isso contribuiu para o endividamento dos países e para a crise
actual. De facto, o enriquecimento fácil e permanente de uma classe obriga ao
endividamento de todas as outras (e das instituições do Estado) sempre que não
se queira, como não quis, deixar demasiado para trás as restantes classes. O ar
dos tempos foi, é claro, facilitar o enriquecimento dos “ricos”. Mas,
simultaneamente, ninguém, nem os ricos, desejava conflitos sociais graves.
Sobretudo por isso, foi permitido que
toda a sociedade alimentasse ilusões de riqueza, de crescimento acima das suas
posses. Não seria legítimo — nem pacífico — defender-se a riqueza apenas para
uns poucos, daí fazer-se da avidez uma virtude democrática, estimular-se de
forma generalizada o desejo de enriquecimento. O
desejo de enriquecimento foi parte integrante do sistema em vigor
nas últimas décadas, foi fortemente estimulado, quer com base na crença de que
isso faria realmente aumentar a produtividade, quer como branqueamento daquilo
que de facto ocupava a classe dirigente: enriquecer mais do que nunca. O que os
poderosos faziam não era vergonha nenhuma, era o que se desejava para
toda a sociedade. E talvez o método
funcionasse, pelo menos durante mais algum tempo, se a avidez dos ricos não
crescesse desproporcionadamente com as suas contas bancárias. A verdade é que
não haveria crescimento que possibilitasse um aumento indefinido do fosso entre
os rendimentos das diferentes classes sem condenar à pobreza a maioria das
pessoas. A determinado momento, este universo em expansão teria de se contrair,
mesmo que o que habitamos não esteja afinal destinado a fazê-lo.
Esse momento é agora. Mas os ricos não vão desistir facilmente
do seu sonho americano. Daí terem as instituições financeiras perdido a máscara
e terem passado à admoestação e ao ataque mais abertos do que nunca aos
governos perdulários que gastaram dinheiro em utópicas sociedades de bem-estar.
Que ilusões alimentaram aqueles governos insensatos nos seio dos seus
eleitores? Que esperanças de desenvolvimento permitiram que se gerassem? Que mito era esse da segurança social? Erros, crendices, fraquezas, excesso de
sentimentos.
Apesar de alguns gestos magnânimos (que provavelmente apenas
foram sinais de um pouco de pânico), os ricos parecem dispostos a defender o
seu direito natural a escaparem
incólumes a qualquer crise. Com a cumplicidade dos governos, vão continuar a
achar natural e a calar qualquer crítica ao desmesurado abismo entre os seus
rendimentos e os de todos os outros. No que deles depender, 2012 será o ano Maia para o mundo inteiro excepto
para eles mesmos. Se a democracia (ou, mais provável e assustadoramente, a rua) lho permitir.