Começou como um projecto de novela de Verão e talvez não
tenha saído assim tanto dos eixos. Vende-se para já nas livrarias Pó dos
Livros, Letra Livre e Traga-Mundos. Também pode ser encomendada pelo e-mail edlinguamorta@gmail.com. A capa
é do Paulo Araújo. A mesa é do Bebedouro.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
O regresso aos Jedis
Há duas maneiras de evitar que O
Despertar da Força atraiçoe a boa memória que Guerra das Estrelas deixou. Não ver o novo filme é naturalmente uma
delas. A outra é rever antes os três episódios dos anos 70 e 80: eles se
encarregarão de destruir a sua própria aura.
Fiz isso, como bom geek (ou
talvez como traidor geek, não sei bem
qual é o protocolo para estas situações). Por isso saí hoje apaziguado do
cinema: as expectativas já tinham sido devidamente postas no lugar, a decepção
tinha ocorrido dias antes, ao rever Uma
Nova Esperança, O Império Contra-Ataca
e O Regresso de Jedi.
O que estimulava a imaginação há trinta anos e a fazia viajar sem
limites é bastante diferente daquilo que hoje poderia fazer o mesmo com a
pessoa que sou. E a culpa não é dos filmes*, temo bem.
Contudo, acredito que Star Wars
permanecerá como um dado feliz na minha vida. Isso não depende dos filmes, e
de mim depende pouco, do eu
consciente. Deixada sozinha consigo mesma, a memória voltará ao seu trabalho de
mitificação e a adolescência voltará a ser aquele lugar feliz que não depende
de eu ter ou não sido feliz nele ou de serem bons os filmes que nele passavam ou as sequelas que deles se fazem. Que
a Força, essa Força que nos permite ver com o passado como o paraíso (não
totalmente) perdido, esteja com ela.
*Ou não é só dos filmes. Alien – O Oitavo passageiro é da mesma altura e sobreviveu muito melhor.
*Ou não é só dos filmes. Alien – O Oitavo passageiro é da mesma altura e sobreviveu muito melhor.
domingo, 10 de janeiro de 2016
Malefícios da idade?
Vasco Pulido Valente, vetusto comentador da imprensa, escreve isto:
Pelo que me pergunto se os meus amigos que ainda acham Vasco Pulido Valente o máximo da perspicácia e da análise política em Portugal não estarão a envelhecer tão mal como ele. Sendo que alguns destes amigos têm menos trinta anos do que o ogre que lhes os excita os neurónios.
«(…) neste tempo de euforia da esquerda, que a televisão e os jornais servilmente reflectem (…)».E nesse ínterim nós lemos os jornais todos do país, que andam a levar nas palmas Marcelo Rebelo de Sousa, partilharem, por exemplo, esta “notícia”, por estas ou outras palavras:
«Centeno gastou "integralmente" a "almofada" financeira»Como qualquer pessoa minimamente atenta sabe, nenhuma das afirmações acima é verdadeira.
Pelo que me pergunto se os meus amigos que ainda acham Vasco Pulido Valente o máximo da perspicácia e da análise política em Portugal não estarão a envelhecer tão mal como ele. Sendo que alguns destes amigos têm menos trinta anos do que o ogre que lhes os excita os neurónios.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Cortesãos de esquerda
A esquerda também tem os seus cortesãos, a quem as baixezas da
democracia incomodam. Eduardo Pitta, no seu blogue, escandaliza-se com a permeabilidade de
coador furado do Tribunal de Contas, no que se refere a filtrar candidatos às
presidenciais, e vai daí faz birra e não assiste a nenhum debate, talvez
boicote mesmo as eleições.
Eu também me escandalizo com o facto de ter havido 7.500 portugueses
que subscreveram a candidatura de Tino de Rans. Para humor e nonsense ficaria bem mais aliviado
(entusiasmado, na verdade) se 7.500 portugueses tivessem subscrito uma
candidatura de Manuel João Vieira. Seria uma indicação de que alguns dos nossos
compatriotas distinguem a sátira da anedota, a inteligência da brejeirice.
Seria uma indicação de que uma quantidade apreciável de portugueses, se não se
importa com o governo da pátria, é pelo menos criteriosa no que concerne à
derrisão da pátria.
Contudo, não creio que as assinaturas e o mau gosto de uns tantos (lembro
que o sistema é Democracia) poluam as assinaturas que habilitaram outros
candidatos, até aos meus olhos mais apresentáveis. Elogio, aliás, o estoicismo e
a polidez com que estes aceitaram todos os debates. De resto, só vejo os
debates que quero e voto igualmente em quem quero. Se por alguma razão paranóica
ou hipocondríaca eu temesse contágios bacteriológicos da ralé por simples
contacto com o boletim de voto onde aparecem tão vis figuras, procuraria desde
já umas luvas de cirurgião que dissessem bem com a minha toilette de 24 de Janeiro. Eduardo Pitta, não querendo da sua
tribuna ajudar a esclarecer o eleitorado, pode cobrir da mesma forma os seus
apêndices e poupar o país ao seu pedantismo e ao seu paternalismo. Portugal não
são aqueles 7.500, 15.000 ou 22.500 portugueses que ele como eu execra. (Embora
às vezes pareça, é certo.)
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
Cinismo à portuguesa
Duas afirmações colhidas na Internet sobre o candidato à presidência da República Paulo Morais:
«Tudo o que é demais enjoa, e ainda mais quando se faz vida disso. Se ninguém [o] refuta é precisamente porque o cromo se tornou inofensivo por ridículo.»
«Paulo Morais (…) exibe a sua mania da corrupção, de uma maneira insultuosa e quase alucinada.»
A primeira afirmação é de um cidadão qualquer, a segunda é de Vasco Pulido
Valente. É destas duas espécies de cinismo que o país sofre, o cinismo do
eleitorado comum e o cinismo dos fazedores de opinião. Ao longo de anos, Morais
indicou números e nomes para a história da nossa desgraça. A imprensa e a
justiça pouco exploraram as pistas, e o aproveitamento privado do erário
público continuou — como de resto todos testemunhámos, de forma mais empírica ou
mais esclarecida.
Contudo, não ter o denunciador sido amordaçado, torturado ou preso faz
dele um cromo, um personagem ridículo. E a insistência na denúncia é, para o comentador
emérito da direita portuguesa, uma forma de insulto (insulto decerto para os
benfeitores da economia nacional).
Para ser tido como um candidato respeitável neste país, Paulo Morais
tinha de ser morto ou fazer-se matar pelas suas acusações.
A alternativa era ser um betinho palavroso e igualmente inofensivo para
o statu quo como Marcelo Rebelo de
Sousa — e nesse caso não só o bom povo o elegeria como teria a enternecedora
preocupação de VPV com a forma como uma eleição presidencial como esta pode ser
aviltante para um cliente do Gambrinus.
Cromo por cromo, o povo português prefere os de pedigree. E para Valente toda a gente é estúpida, mas há os estúpidos comuns e os nossos (dele) estúpidos.
Um só país, duas manifestações do mesmo cinismo. Não foi à toa que Cavaco existiu.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
A timidez e o ‘piropo’
Numa conversa alheia a que assisto no Facebook como numa esplanada de
café, com a mesma indiscrição semi-involuntária, alguém, uma mulher, diz de si
mesma:
«Eu sou um típico caso de pessoa tímida, não gosto muito que olhem para mim, mas sei que isso é um defeito (…)»
Esta confissão e autocrítica associam-se a um conjunto de argumentos
contra a penalização das propostas importunas de teor sexual (por preguiça
designadas como ‘piropos’), um processo que a mesma mulher, jovem e com
formação, considera promovido por «feminazis» (fêmeas ao que parece com vontade
de controlar os homens).
É sintomático que alguém venha criticar este aditamento legislativo ao
artigo 170.º do Código Penal considerando um defeito a sua própria timidez (ou
seja, o seu mal-estar com a importunação). É sintomático porque, apesar do tom
de bravata no resto do discurso, denuncia uma cultura de submissão, afinal o
terreno fértil onde o comportamento intrusivo tradicional, sem respeito pela
individualidade e pela sensibilidade do outro, se permite dominar, com direitos
de cidade superiores, por supostamente a extroversão, incluindo este tipo de
extroversão opressor, ser a condição ‘normal’, a condição das pessoas sem
defeitos.
Não, cara facebookiana desconhecida, a sua timidez não é um defeito, é
uma característica, aliás comum, que cabe a todas as outras pessoas respeitar. Defeito
é a incontinência do ‘piropo’ importuno. Defeituoso é o caracter de todos
aqueles que acham legítimo importunar outras pessoas com seja que tipo de pensamento
ou desejo lhe vai na cabeça ou nas partes.
Teria sido necessário legislar sobre isto? Eventualmente não. Se os tímidos
não achassem defeituosa a sua timidez e os importunadores tivessem suficiente educação
e carácter para controlar a sua líbido excessiva. Mas se as vítimas nunca tivessem
de recalcar a sua condição e os opressores jamais oprimissem, todo o Estado de Direito,
com todos os seus códigos, toda a sua artilharia legislativa, seria pouco mais
do que uma redundância, não?
Existem várias formas de uma sociedade prevenir comportamentos
perturbadores da integridade alheia sem necessidade de recorrer ao braço pesado
da Lei. A censura familiar e social pode ser uma delas. Quando esta falha,
talvez devêssemos apreciar haver no país capacidade legislativa independente da
vox populi. Se a vox populi prefere defender o direito de alguém a ser grunho (ou
pior do que isso) contra a liberdade do outro, talvez aqueles que elegemos, numa
democracia representativa, tenham o dever de se elevar acima da miséria moral e
aprovar leis que defendam os tímidos do despotismo da ‘normalidade’.
Subscrever:
Mensagens (Atom)