terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A vingança amarela

Todos os meses de Fevereiro as mimosas florescem e é como se tivesse lugar uma vingança colorida. Classificadas de invasoras, são alvo da sanha humana até quando despontam em lugares onde não há senão descampado ou lixo para invadir. Como se a malta estivesse mesmo à espera de as extinguir para desatar a plantar no seu lugar, com inesperado entusiasmo florestal, carvalhos, bordos, castanheiros, azinheiras, azereiros, sobreiros, freixos, amieiros e choupos, repondo duma furiosa assentada todo o catálogo da floresta autóctone portuguesa. Não, por mim, no que toca à cobertura vegetal da pátria, confio mais na vingança sazonal da bela e perfumada acacia dealbata.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Tive a minha primeira ajuda do ChatGPT numa questão difícil. No final da pequena conversa disse-lhe «Thanks» e ele retribuiu «You’re welcome». Um tipo porreiro, vamo-nos dar bem.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

O homem das entregas

É um domingo soalheiro de Inverno e os casais passeiam, cão pela trela e, nalguns casos, pequena mochila ao ombro, talvez com a câmara dos instantâneos de Fevereiro ou outros instrumentos necessários a um passeio soalheiro de domingo de Inverno.
Também o homem das entregas da Glovo passeia ao sol, companheira ao lado, cão pela trela e — porque não pode dar-se ao luxo de jantar fora à sexta nem de perder um serviço ao domingo — saco amarelo ao ombro.

No sofá do cabeleireiro

Comme d’habitude, o cabeleireiro vaticina que tenho cabelo para a vida. Para o contrariar um pouco, talvez por instinto de humildade, queixo-me molemente da abundância de cãs e da ameaça de entradas. Ele começa a contar-me um filme que viu no dia anterior e eu desligo, sou por natureza avesso a relatos de filmes. Ou a relatos. Quando chega às cenas finais apercebo-me de que o tema ainda sou eu e os meus queixumes sobre o envelhecimento. No filme, a protagonista, que padecia de imortalidade e via com angústia desaparecerem os amores uns atrás dos outros, fica finalmente feliz quando consegue tornar-se mortal e envelhecer junto ao mais recente amado. «É a lei da vida», termina o cabeleireiro a parábola morigeradora, referindo-se já de novo aos meus cabelos em geral firmes no lugar mas não imunes à passagem do tempo.
Depois de pagar, espreitei a factura, para ver que código CAE ele usara.