domingo, 5 de fevereiro de 2023

No sofá do cabeleireiro

Comme d’habitude, o cabeleireiro vaticina que tenho cabelo para a vida. Para o contrariar um pouco, talvez por instinto de humildade, queixo-me molemente da abundância de cãs e da ameaça de entradas. Ele começa a contar-me um filme que viu no dia anterior e eu desligo, sou por natureza avesso a relatos de filmes. Ou a relatos. Quando chega às cenas finais apercebo-me de que o tema ainda sou eu e os meus queixumes sobre o envelhecimento. No filme, a protagonista, que padecia de imortalidade e via com angústia desaparecerem os amores uns atrás dos outros, fica finalmente feliz quando consegue tornar-se mortal e envelhecer junto ao mais recente amado. «É a lei da vida», termina o cabeleireiro a parábola morigeradora, referindo-se já de novo aos meus cabelos em geral firmes no lugar mas não imunes à passagem do tempo.
Depois de pagar, espreitei a factura, para ver que código CAE ele usara.

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