terça-feira, 27 de junho de 2023

Os imortais

Na casa dos vinte, poderiam ser um casal em lua-de-mel a emergir para um cocktail ao final de uma tarde de romance. A arquitectura é belle époque e do terraço observa-se um bosque centenário e voluptuoso. Mas eles não vieram para contemplar. Ainda antes de lhes servirem as bebidas, já um dos dois dá as cartas e ambos seguram o jogo em leque junto ao peito. Ponderam as jogadas, espreitam clandestinamente o adversário tentando adivinhar-lhe as cartas, enfrentam-se por vezes com olhares de póquer que só desviam para consultar de novo a mão que têm.
Fazem tudo, inesperadamente, sem ironia, sem fingimento, sem brincadeiras, sem as provocações, as sabotagens ou as zombarias próprias de quem joga cartas em família. Não são, está visto, um desses casais amantíssimos a quem o jogo cedo aborrece por nenhum sentir prazer em vencer o outro. Mas também ainda não têm idade para pactuarem projectar num feroz jogo de cartas a vontade de derrotar ou humilhar o cônjuge.
Seja como for, ali estão, alheados, sem pressa, como adolescentes do século XX nas férias grandes — ou seja, imortais —, dando tudo como garantido e eternamente cíclico, incluindo a exuberância das folhagens de Junho que não espreitam nem pelo canto do olho.