quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Como travar o fascismo

Durante muitos dos últimos anos, demasiada gente achou um exagero ou “inexacto” (como se se tratasse de um debate académico) tratar os movimentos de extrema direita como fascistas ou sequer protofascistas. A versão lusa desta praga, então, era poupada e minimizada como uma simples anedota de mau gosto.
Tal resistência semântica poderia ser ilustrada com o gesto enfadado de um flanêur que brande a sua luva flácida para afastar moscas ou caracterizada como um receio instintivo ou patológico de self-fulfilling prophecies. Traduzindo, havia quem não estivesse para se incomodar com ninharias e quem sufocasse por reflexo certas palavras temendo que a sua verbalização as pudesse tornar realidade.
Seja como for, na ânsia de negar que a história se estava a repetir, demasiada gente andou (e anda) de facto a replicar os erros dos anos 20 e 30 do século XX que Paul Mason cataloga no seu “Como Travar o Fascismo” (Objectiva, 2022).

Certos capítulos do livro ecoam na minha cabeça quando leio que Paulo Portas excitou a audiência definindo como adversária da AD «a nova ameaça vermelha da “geringonça 2.0”» e quando vejo o PCP sobretudo ocupado, aparentemente, a saltar fora de uma geringonça 2.0.

Hitler e Mussolini poderiam sentir-se insultados se alguém propusesse que o nosso Dr. Sapo de Loiça os está a emular, mas teriam de se lembrar de que, apesar de melhor talhados para as artes dramáticas, também eles foram objecto de anedota antes de serem caudilhos bem-sucedidos.

Todavia, os comunistas e outras esquerdas alemãs e italianas cometeram a certa altura o erro de insistir em velhos adversários, deixando campo aberto para o novo inimigo — e as anedotas sobre Hitler e Mussolini deixaram de ter piada.

Confio, como exercício de retórica, que em Portugal já todos saibam quem é o inimigo e comecem a abandonar o medo do ridículo e das palavras (e a velha indolência burguesa) para encher as ruas e as urnas de democracia antes que elas se encham de ressentidos e arrivistas.

Mas quero em particular confiar que o PCP está atento ao enredo da História. Posso lastimar, entre outras coisas, a forma como aquele partido tem lidado com a invasão russa da Ucrânia, mas sei que, se tudo falhar, os comunistas vão ser os primeiros na rua a enfrentar a punho as falanges de arruaceiros fascistas que não tardarão a saltar da toca. Até porque, serão dos primeiros alvos. Quando nada mais resta, é bom que a democracia tenha uma guarda pretoriana, imperfeita que seja.