Alguns comentadores alertam a espaços para o problema da
fraca taxa de natalidade na Europa e na América. A manterem-se os valores de
agora, o ocidental será uma criatura extinta daqui a um século, mais coisa
menos coisa. Para estes comentadores, o problema não é de ordem, digamos,
ambiental, não se trata de lamentar a
extinção de espécies, a diminuição da biodiversidade. Também não é exactamente
um problema antropológico tradicional, um
requiem
nostálgico pelo fim de uma das culturas que enriquecem o mosaico da humanidade.
É, de qualquer maneira, um alerta para um problema cultural, ou, mais
propriamente,
civilizacional. O que
está em causa resume-se na seguinte tese: as conquistas que o Ocidente obteve
para a humanidade morrerão com o último dos ocidentais.
Uma tal proposição parece pedir que a olhemos como uma
manifestação racista, uma defesa da superioridade dos brancos. Sem o Ocidente,
os outros povos deixarão cair a democracia, os direitos humanos, a humanidade
regredirá, perder-se-ão as luzes, a secularidade dos Estados, a liberdade dos
cidadãos.
Martin Amis aborda o assunto em “O Segundo Avião”, numa
recensão a “America Alone: The End of the World as We Know It”, de Mark Steyn. No
seu livro, Steyn foca-se na fertilidade do Islão, incluindo dentro de paredes
ocidentais. O problema seria então este: se na Europa e na América os casais
não desatarem a fazer filhos, o Islão conquistar-nos-á pelos números (como
aliás preconizam alguns dos seus dirigentes).
Não creio que seja preciso ser-se racista para pelo menos
aceitar discutir o assunto. Os sucessos
da multiculturalidade não parecem particularmente obstinados em negar de forma
taxativa aquele ponto de vista. Aceitemos por momentos que o risco existe. Será
então altura de repensar a «agenda progressista», «a cultura dos direitos e das
concessões», como parece propor o senhor Steyn? Precisarão as sociedades, como
infere Amis das palavras de Steyn, de ser agora «mais reaccionárias:
patriarcais, eclesiásticas, maioritárias e filoprogenitivas»? Precisaremos, resumo
eu, de contrariar na cama e com legislação pró-vida
o movimento conquistador do Islão?
A nossa originalidade enquanto ocidentais é que, por
tradição filosófica e política, por definição cultural, sabemos que um problema
nunca vem só. Se de algum modo nos sentíssemos tentados a concordar com esta
visão das coisas, logo se nos punha outra questão: e o que fazer quanto ao
excesso populacional? A racionalidade impele-nos a considerar a existência de facto de uma crise demográfica
mundial — e o refinamento dos escrúpulos diz-nos que não queremos contribuir
para o problema.
Ficamos portanto perante um conflito: proteger a nossa
cultura (e por arrasto o mundo) fazendo filhos é, simultaneamente, contribuir
para fazer rebentar o mesmo mundo pelas costuras. Qual das tragédias acontece
primeiro é talvez uma questão matemática.
Provavelmente, a própria matemática nos indicará que não
será de qualquer modo fácil vencermos o campeonato da proliferação — os
adversários, que partem à frente, não deixarão de exercer o dever conjugal.
Isto significa que em vez de desatarmos a fabricar abundantes ocidentaizinhos à
nossa imagem e semelhança talvez seja mais razoável procurar converter em ocidentais todos os que
aqui habitam. De resto, aliviaria a nossa consciência não xenófoba depositar na
capacidade dos outros e nos méritos das ideias emancipatórias per se a defesa da civilização. No final
do dia talvez tivéssemos uma Europa menos branca, mais colorida, mas isso não
nos incomodaria, não era? Afinal, o que nos importa são as ideias e não o
aspecto de quem as põe em prática.
Mas concedamos que, para início de sensatez ou por princípio
de precaução, talvez seja de assegurar que quem vive na urbe é educado nas
regras da urbe e a elas obedece…