terça-feira, 26 de dezembro de 2017

26 de Dezembro ou um post sem sentido

Há dez anos comprei uma biografia de Mao Tsé-tung (escrita por Jung Chang e Jon Halliday). Fazia parte do meu plano de conhecer melhor as grandes bestas do século XX. Li biografias de Hitler, Himmler e Estaline, mas por alguma razão a de Mao foi sendo adiada, ao ponto de ter passado anos a servir de plataforma elevatória do ecrã do computador, junto com um volume sobre castelos e uma escalfeta avariada. Há uns meses arranjei no IKEA uma solução melhor para assegurar a altitude ergonomicamente favorável do ecrã, mas nem assim me ocorreu começar a leitura, e o livro foi para a estante. O melhor que consegui fazer por ele foi pô-lo na posição de não lido.

Hoje, a meio de uma página do terço final de Os Loucos da Rua Mazur, aborrecido sem razão (não poderia culpar o romance), senti o súbito impulso de pegar na biografia e lancei-me a ela. Logo no início li que Mao Tsé-tung nasceu a 26 de Dezembro. Fiquei algum tempo a reflectir nesta coincidência, mas não concluí absolutamente nada.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O meu livro menos meu

Consultando arquivos para tentar anotar meia dúzia de ideias para a apresentação vila-realense do Hotel do Norte, descubro, com embaraço, que, desde 2014, ameacei com alguma regularidade editar o livro por mim mesmo. Era decerto a ânsia juvenil (retardada) de me ver publicado, a vaidadezinha pateta a exigir um tributo em letra de imprensa. Pelos vistos, a edição de Os Idiotas no ano anterior não me tinha satisfeito completamente o ego.

Na verdade, a auto-ironia anterior, ainda que justa, não expia totalmente aquela espécie de bluff. O Hotel do Norte era uma coisa que trazia atravessada na garganta. Quando o escrevi, em 2009, estava decidido a purgar-me do que tinha sido a minha escrita na Periférica. Mais precisamente, estava a tentar dar uma outra respeitabilidade a prosa. Por alguma razão, não me convencia ou confortava o (relativo) reconhecimento que os textos na revista, satíricos e geralmente pueris, tinham alcançado.

Ao longo dos anos, o Hotel do Norte tornou-se por sua vez a minha némesis. Já tinha entretanto escrito e publicado Os Idiotas (o livro em que me reconciliei com a prosa periférica), mas a sombra do Hotel do Norte pairava sobre tudo. Os amigos que leram ambos os livros mal disfarçavam a sua preferência pelo Hotel do Norte. O Rentes de Carvalho, que nesta livraria apresentou em 2013 Os Idiotas, fê-lo apenas como pretexto descarado para dizer que, na verdade, mais valia que se lesse o Hotel do Norte.

De modo que, de 2014 em diante, precisava de me livrar do fantasma do Hotel do Norte. Eu não estava convencido do interesse deste livro. De vez em quando, nos momentos de maior presunção, alimentado por um ou outro comentário positivo, sim, sentia certo regozijo por o ter escrito, mas logo descia sobre mim a verdade nua e crua de que o romance era medíocre, ou pelo menos ingénuo e com um estilo que era menos meu do que o que estava presente nos outros livros que escrevera.

Em 2015 escrevi e publiquei a novela A Origem do Ódio, com uma construção, uma fluência, um ritmo prosódico, um léxico, uma sintaxe e um território semântico que achava mais meus. Mas, de novo, frequentemente a novela tornava-se sobretudo pretexto para evocar o Hotel do Norte.

Eu tinha mesmo de me livrar dele, para deixar viver os outros livros e me lançar a escrever os próximos.

Por isso, foi com um certo alívio que acordei com a Companhia das Ilhas a edição do Hotel do Norte em 2017. E finalmente aí está ele, «um dos romances do ano», considerou simpática e exageradamente um jornalista — talvez na verdade apenas para me manter sob o embaraço do meu livro menos meu.

domingo, 17 de dezembro de 2017

O Hotel na Flanêur

A apresentação do Hotel do Norte na Flanêur correu bem, já que perguntam, mas percebemos que andamos a falhar a vida quando autografamos os nossos livros com gesto mecânico de amanuense, evitando por pouco acrescentar o número de funcionário à assinatura.

Ao simpático e generoso Carlos Alberto Machado coube o elogio póstumo da obra e eu justifiquei-me mais ou menos como se segue:
«A escrita deste romance, Hotel do Norte, partiu de algumas das coisas que me fascinaram (e fascinam): edifícios antigos abandonados ou em ruínas, os “retornados” ou refugiados dos anos 70 e 80, a infância e a adolescência em qualquer das suas fases. 
1) Sempre que olho para um edifício antigo, seja onde for, ponho-me logo a imaginar moradores e histórias. Se o edifício estiver abandonado, o fascínio aumenta, porque o abandono remete-me para histórias de época, estimula exercícios arqueológicos e sobretudo acrescenta mistério. Geralmente quero visitar estes edifícios, independentemente do seu estado de ruína, e muitas vezes faço-o. A imersão física exacerba a imersão psicológica. É como subir a serras para ver a paisagem ou caminhar pela areia a olhar o mar: uma experiência sensorial e emocional.No território das Pedras Salgadas e Vidago, onde vivi até pouco depois da tropa, havia suficientes ruínas cheias de história e mistério. Hotéis, casas de chá, um ou outro pequeno palacete (aos nossos olhos), pequenos edifícios de apoio às estâncias termais, todos a ameaçar ruína e com a patine de uma época áurea, algumas décadas de glória, algumas gerações de visitantes que gravaram ali memórias e mitos de exuberância e cosmopolitismo. 
2) Os “retornados” ou exilados de África entraram na minha vida quando começava a fazer uma ideia do que era o mundo, mas na verdade eu nunca soube quem eram aquelas pessoas que nos anos 70 se tornaram meus vizinhos. Os que tinham a minha idade, e se tornaram meus colegas, eram crianças como eu, ainda com poucas memórias: a condição de “retornados” era um pequeno exotismo que logo se diluiu nas aventuras comuns, e mais importantes, que vivemos durante o crescimento. Dos adultos, que experimentaram com todas as dores e faculdades e puderam intelectualizar a experiência do “regresso” (que em tantos e tantos casos não era regresso nenhum), eu pouco sabia. Nomes, características físicas, um ou outro tique, pouco mais. Talvez um pouco mais, mas esse pouco foi-se perdendo numa adolescência e juventude com outros horizontes e interesses. 
3) A infância e a adolescência em si mesmas, sem hotéis em ruínas ou novos vizinhos africanos, são um território de fascínio e mistério inesgotável. Se não houvesse mais nada sobre o que escrever, haveria as memórias de infância — que são, como se sabe, a nossa maior ficção. Ninguém, nem nós, sabe exactamente, com rigor histórico, o que aconteceu na infância, na nossa e na dos que nos rodearam. Todas as tentativas que fazemos, orais ou escritas, falham um pouco ou muito e, para compensar, ficcionam alguma coisa, senão tudo. Simultânea e paradoxalmente a infância, a nossa infância, é o tema que melhor conhecemos. Daí tantos autores não conseguirem evitá-la. 
O romance nasce então destes três fascínios — e procura juntá-los numa narrativa coerente e numa intriga funcional. É uma história a três épocas — 1941, 1975 e actualidade —, como matrioskas russas, que vive, talvez como boa parte da literatura, de combinações de realidade e ficção, memória e fantasia, verdade e mentira, tanto num sentido diegético como exegético.
Um dos protagonistas de 1975, talvez para evitar viver a sua época, mergulha numa investigação detectivesca sobre uma personagem de 1941, a partir dos arquivos documentais e fotográficos do Hotel — e com esse misto de arqueologia e efabulação se conta a história de Catarina. O narrador de 2008 fala da sua infância, talvez por catarse, talvez em busca de uma justificação. Entretanto, estes protagonistas vivem e relacionam-se com outras personagens — e o livro também trata disso, dessas vivências, e das restantes personagens, com os seus próprios pedaços de vidas e memórias, e das ligações horizontais e verticais entre todos.
Só que o Hotel do Norte já não existe fisicamente. E a sua demolição torna ainda mais difícil ou especulativo ou inverosímil qualquer exercício memorialístico que as personagens, os narradores ou o autor tenham feito.»

sábado, 9 de dezembro de 2017

Flâneur

(clique)

A 16 de Dezembro vou flanar pelo Porto com o Hotel do Norte na bagagem e o Carlos Alberto Machado por companhia. Das Ilhas.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Sábado à quinta

A revista Sábado traz o Hotel do Norte na sua edição de ontem. Um texto de Gonçalo Correia.

(Clique para ampliar) 

sábado, 7 de outubro de 2017

Negócios

O Hotel do Norte tem uma generosa recensão na edição de ontem do jornal 'Negócios', assinada por Fernando Sobral.

(Clique para ampliar)

Também pode ser lida neste link: http://www.jornaldenegocios.pt/weekend/detalhe/em-busca-do-destino

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Muito barulho por nada*

«"Lamentamos que a comunidade académica, geradora de um impacto económico na ordem dos 1,7 milhões de euros por mês nesta cidade, seja recebida e acolhida desta forma", sublinhou o presidente da Associação Académica.»

Segundo noticia o Jornal de Notícias, uma cidade decidiu, aparentemente, por uma vez, deixar de ser refém de chantagens reles como a expressa na citação acima, e as autoridades, judiciais e civis, agiram como lhes competia. Os “lesados”, contra o seu hábito e matriz genética, manifestaram-se com rara dignidade em silêncio. Segunda vitória da cidade.

*Sobre o título do post: Parece que a famosa "integração" dos novos estudantes na "academia" tem de ser feita, entre outras indigências, através de barraquinhas de bebidas e música aos berros madrugada fora. Treslendo Shakespeare, é o que se pode chamar de "muito barulho por nada".

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

PUB

O Hotel do Norte vai debutar na Festa do Livro em Belém no dia 22 de Setembro. Nuno Costa Santos, escritor e guionista, tem a gentileza de o apresentar e Marcelo Rebelo de Sousa empresta o quintal.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Elbphilharmonie x Cineteatro Capitólio

Hamburgo tem uma nova sala de ópera e isso é um dos argumentos que servem a Luís Naves para, num post do Delito de Opinião, ridicularizar o ranking das cidades europeias no domínio da cultura e da criatividade que coloca Lisboa à frente da Cidade Hanseática.
A capital lusa, pelo seu lado, vai reabrir uma das antigas salas do Parque Meyer, consagrando-a a «música*, humor e cinema».
Ninguém estava (infelizmente) à espera que no Parque Meyer se abrisse uma sala de ópera, tanto mais que a exploração do espaço em causa, o Cineteatro Capitólio, foi posta a concurso. Só em sonhos mais delirantes do que os do ranking produzido pela União Europeia um espaço posto a concurso para exploração privada teria como vencedor um projecto dedicado à música clássica. Assim em Portugal como decerto em Hamburgo.
A nova ópera alemã — presumo que Luís Naves se refira à Elbphilharmonie — custou, à boa maneira portuguesa, quatro ou cinco vezes mais do que as primeiras estimativas, sofreu atrasos embaraçosos e a sua exploração, hélas!, não foi entregue a privados. É que, ainda que certamente haja na Alemanha mais amantes de ópera do que em Portugal e a melomania privada tenha ali mais recursos do que na ocidental praia lusitana, a ópera é um prazer caro e não rentável.
Civilizada, culta e rica, a Alemanha não deixa, naturalmente, que considerações sobre os gastos públicos** privem uma cidade de uma nova ópera.
Em Lisboa, contudo, orçamentos municipais mais apertados estimulam outras soluções. Confia-se que empresas privadas consigam dinamizar uma sala de espectáculos da cidade — sem encargos para a Câmara, com proveito para os munícipes e, fazem-se decerto figas, sem prejuízo para o concessionário.
Não se pode censurar a vencedora Sons em Trânsito por propor «música, humor e cinema» para o Capitólio. E nem é justo acusá-la de oportunismo por utilizar como referência a localização e o patrono do espaço (Raul Solnado) para balizar preventivamente o «humor» que o Cineteatro acolherá. Os restantes candidatados não tinham como apresentar proposta essencialmente diferente — e programações culturais mais abrangentes e diversas, que incluam música clássica, dança e teatro, não são privatizáveis. Nem em Lisboa nem em Hamburgo. As cidades que se querem afirmar por esta via “culta” ou têm a sorte de ter no seu território teatros financiados pelo Estado Central ou reservam verbas no orçamento municipal. Não há outro caminho: os apoios de empresas nacionais dão, no máximo, para mais um redundante festival de Verão.


* Sobretudo pop/rock, naturalmente.
** Mesmo que auxiliados por investimento privado na parte comercial do projecto.

Aquilo que Bannon aprendeu com Goebbels

Diz que há um movimento mundial que censura Chico Buarque por uma letra machista. Curiosamente, no meu feed apenas aparecem textos de gente que se indigna com os supostos censores. 
Talvez tenhamos chegado a um grande momento da civilização, em que são mais as pessoas que reagem contra as inanidades do que aquelas que produzem inanidades. Ou então ando a seleccionar demasiado as amizades e as leituras. Ou então a direita tuga anda a aprender com Bannon aquilo que Bannon aprendeu com Goebbels. 
Ou seja, nada de novo: as redes sociais e os media populares continuam iguais a si mesmos, apenas com mais aproveitamento pelos estrategas, oficiais ou oficiosos, de direita.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O meu Groundhog Day

No filme Groundhog Day (O Feitiço do Tempo), o protagonista vive todos os dias o mesmo dia, com os acontecimentos a repetirem-se sem alterações.
No meu percurso diário para o trabalho, que, quando beneficio da sorte de ter tempo, segue um traçado invariável e reiterado, há também repetições, pessoas com quem me cruzo nos mesmos lugares (uma delas cortou o bigode mas não mudou mais nada), as mesmas infracções de trânsito (com diferentes protagonistas mas nos sítios habituais) e o mesmo deslumbramento ao atravessar o parque (apesar da vaga ameaça outonal agora a insinuar-se no alongar das sombras).
Há variações de episódios sobre o mesmo cenário, variações que só o são na cadência diária, já que repetem tendências e vícios humanos intemporais e por isso não alteram o feitiço do tempo. Num dia, o restolhar das folhas para lá da sebe deixa de ser o dos melros ou dos gaios para denunciar um clássico voyeur, dos que adoptam a camuflagem e o método de David Attenborough, mas para espiar através da vegetação casais de namorados em plena urgência erótica. No dia seguinte, no mesmo local, é resgatado da folhagem contra a sua vontade um idoso que se tresmalhara do resto dos utentes do lar, ali em passeio, por vício logo censurado de querer estar sozinho. Ao terceiro dia, o que a folhagem mal oculta é uma vulgar e não muito preocupada transacção de estupefacientes, entre seres que se confundem no exotismo com criaturas mitológicas do parque. Há o tímido casal homoerótico de adolescentes a aprender tácticas de camuflagem social e noutro dia rapazes em cálculos de balística que procuram a bola pontapeada demasiado alto. Há a criançada de bonés uniformizados em correria de ATL e, num sábado, os noivos ataviados que posam bucólicos para o álbum em progresso.

No meu Groundhog Day, desfilo quotidianamente por ali em passo lento, amando a minha rotina e com um certo carinho distante pela humanidade. Não sinto o impulso de alterar nada ou de intervir, excepto quando, no regresso à noite, um ouriço-cacheiro faz a sua aparição na mesma álea e sinto então o dever de o admoestar pela insensatez de se expor assim no palco da comédia humana e o conduzo com gestos ternos de regresso ao matagal.

sábado, 19 de agosto de 2017

PUB (2)

Impõem-se duas notinhas à publicidade anterior sobre o Hotel do Norte:

A ilustração da capa é de novo do Paulo Araújo («de novo» porque era dele a capa de A Origem do Ódio).

Quem se proponha ler este livro deve estar avisado de que ele tem um registo literário e uma prosódia diferentes dos anteriormente editados. Afinal, não queremos que alguém venha ao engano, não é? 😉

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

PUB


Nas livrarias a partir da segunda semana de Setembro. Edita gentilmente a Companhia das Ilhas. Stay tuned for more updates.

domingo, 13 de agosto de 2017

Intelectuais

A maioria das referências à condição de “intelectual” é hoje pejorativa. O povo mantém com os intelectuais uma relação frequentemente de ressentimento. A direita, mesmo quando é ela própria puramente ideológica e intelectual, prefere alimentar uma imagem de pragmatismo, de terra-a-terra, avessa a qualquer idealismo ou utopia, e gosta por isso de manter viva a lembrança dos intelectuais que serviram de idiotas úteis ao comunismo soviético.
Mas é claro que o sistema sociopolítico dos dias de hoje deve muito também aos intelectuais, mas sobretudo aos intelectuais de direita (particularmente jornalistas e escritores). No futuro, a História tratará do papel deles no período trágico que se iniciou com a invasão do Iraque e que hoje continua no apoio mais ou menos tácito, mais ou menos entusiasta, ao lunático Trump. E, claro, não será da sua perspicácia ou inteligência que se falará. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Nostalgia da prosa inútil

Nos últimos três anos, tirando a inesperada interrupção para escrever e publicar A Origem do Ódio, a minha relação com a escrita tem sido distante ou indiferente. A vida prosaica impôs-se-me, para regozijo da troika, e o tempo não me chegou para muito mais do que fracassar a gerir o equilíbrio entre frustrações e realizações profissionais (como acontece com provavelmente a maioria das pessoas que não ganham o euromilhões nem um lugar de CEO).
Não é esta a única, mas é uma das razões porque se editará em finais de Setembro, não havendo contratempos, o Hotel do Norte, romance que já por aqui foi várias vezes mencionado e que, passe a publicidade, sucederá Os Idiotas e a atrás referida novela.
Talvez ter um novo manuscrito impresso e encadernado seja o estímulo necessário para tentar combater o vício do trabalho e o que ele tem de amanuense. É que, apesar de tudo, sabia melhor varar as noites a tentar compor frases sem qualquer utilidade prática.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Saiu a LER

Apesar das secções iniciais, onde Francisco José Viegas Pai e Bruno Vieira Amaral Filho se entretêm, por mera travessura, a assinar os textos um do outro (ninguém os distingue, de qualquer modo), gosto da LER. Hoje surpreendeu-me que houvesse gente que já tivesse lido artigos inteiros de um número que eu nem sonhava que estava para sair. E deitei-me a reflectir. É reconfortante que exista e sobreviva em Portugal uma revista com um marketing tão inexistente, com uma tal falta de publicidade.
A página de Facebook da LER tem uma foto de capa de Junho de 2016 e o último post é de 29 de Março deste ano. No blogue, a última entrada é igualmente de 29 de Março e a capa é a da edição do Inverno de 2016/2017 (a antepenúltima).
Não se confundam com o tom irónico: fico mesmo contente que a revista singre deste modo, alheia às «redes sociais» e, de resto, aos media em geral. A não ser que alguém ande a lavar dinheiro com literatura, isto significa que há no país um conjunto suficiente de amantes de livros que não precisa de ser bojardado com publicidade para manter o interesse, pagar e garantir a sobrevivência de uma publicação dedicada ao tema.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Da democracia do gosto

É fácil invocar o chavão «gostos não se discutem» para terminar uma conversa (ou, mais rigorosamente, para fazer calar o interlocutor).
Talvez os gostos não se discutam (não se deviam impor, isso sim). Mas pode-se tentar explicar serena e sabiamente a qualidade e a singularidade de uma obra de arte, como se faz neste vídeo.
Apelar à difusão do vídeo pode contudo valer-nos a acusação de proselitismo, porque, como se sabe, o único proselitismo válido, mas não assumido, é o que praticam com denodo as televisões e a imprensa “popular”.
Claro que nunca veremos a TVI ou a CMTV a substituir um dos programas do seu circo de horrores por uma aula destas. Mas podemos sempre observar que, ao contrário do que apregoam, a sua noção de democracia está errada.
A chave da democracia não é fazer cumprir a opção da maioria (muito menos a opção previamente decidida pelos populistas de serviço). A chave da democracia é, exactamente, a possibilidade de optar. E isso só se assegura permitindo a diversidade e a singularidade. O que acontece é que demasiado frequentemente, como lembra Luís Figueiredo no final do vídeo, «as pessoas não estão a escolher». Como poderiam, não é?



sábado, 24 de junho de 2017

[Prosa sem bússola nem destino]

A cada manhã do Inverno nevoeirento o homem atravessa para o lado das moagens escolhendo a mesma passadeira, das cinco ou seis que ligam a cidade velha ao passeio que ladeia o canal e une as duas pontes. Do lugar à janela em que me instalo para ficar de dentro a ponderar o bulício urbano, vejo-o aproximar-se no seu passo absorto e enfrentar a passadeira finalmente de rosto erguido. Não levanta o rosto para prestar atenção ao trânsito: aos automóveis só dispensa a visão periférica e talvez a audição, os olhos varrem o asfalto zebrado e sobem pela parede do edifício do outro lado da rua, para fixar então a imagem que ali se encontra. Faz toda a travessia da estrada sem desviar o olhar da parede, e no final do percurso, quando já tem os dois pés sobre o passeio oposto, detém-se e demora-se ali todos os sessenta segundos de um bom minuto. É como se pela primeira vez descobrisse a imagem e se interessasse por a decifrar ou como se naquela parede estivesse algo da sua devoção, um ícone a que devesse uma homenagem quotidiana, uma oração, como algumas pessoas de gerações mais velhas ainda fazem diante de pequenas capelas, cruzeiros ou estatuária religiosa distribuída pelas cidades.

Do meu posto não conseguiria dizer se se trata de um mapa, de um cartaz publicitário ou de um painel de azulejos com uma figura de santo, pelo que tive de numa das manhãs sair para o frio e ir eu próprio espreitar. Descobri um banal poster a promover uma linha de lingerie. Um modelo feminino olha-nos daquela parede, não com lubricidade ou malícia, não a convidar-nos a fantasiar episódios eróticos. Não se trata de uma colecção destinada a seduzir os companheiros das mulheres que a comprem, mas de peças íntimas para usar no dia-a-dia, confortáveis e elegantes e, sim, com inevitável sensualidade. A mulher apresenta uma expressão não direi beatífica mas de certo modo misteriosa, melancólica e carismática, a fazer-nos hesitar entre uma alma clandestinamente sofredora ou uma pessoa apenas introspectiva, com o pensamento longe do estúdio onde se deixou fotografar. Na verdade, a mulher não nos olha, antes fixa um ponto aquém de nós — o balanço da sua semana, os planos para depois da sessão fotográfica, a dor ou o motivo da sua melancolia, nunca saberemos o quê. Um cartaz de roupa interior pode ser, por talento ou acaso, a versão contemporânea e igualmente enigmática, embora sem esboço de sorriso, da mais pudenda Mona Lisa.

Primeiro observamos-lhe o olhar, ligeiramente realçado por um risco de lápis, alvitrando razões e motivos para aquela pose ou aquele estado de espírito. Depois descemos pelo pescoço e não temos como evitar os seios, de áurea proporção, sustidos sem necessidade aparente por uma peça de desenho simples e sem rendas. Mais abaixo há uma barriga lisa e uma púbis que pede menos atenção, não por falta de beleza ou semelhante perfeição nas medidas e linhas, mas porque o enquadramento e a luz destacam o rosto e os seios. Ou talvez haja afinal no rosto e nos seios algo menos comum que nos solicita observação detalhada e meditação. Pergunto-me se são estas as questões que afloram o espírito do homem que ali se detém quotidianamente — uma necessidade imperiosa de concluir alguma coisa sobre a modelo da fotografia — ou se ele é apenas um voyeur que se conforta a si mesmo por usar um poster em vez da imagem viva das adolescentes que frequentam a escola do outro lado do canal.

De todos quantos se tenham já apercebido do vício daquele homem, da sua necessidade diária de satisfazer o olhar na esquina antes da ponte, poucos terão talvez a minha propensão para a condescendência. Não vejo motivos para o julgar ou fazer piadas visando o embaraço de alguém que é apanhado a cobiçar um corpo numa fotografia, a sonhar com seios cuja posse lhe parece tão distante quanto a elegância ou a riqueza. Tem uma figura triste e pesada e veste sem a pretensão de atrair por sua vez olhares, não olhares admirativos, em todo o caso. Mas eu estou disposto a dar-lhe a hipótese de uma história pessoal menos evidente, a de alguém que vê na fotografia a imagem de uma ex-amante e a olha todos os dias com inultrapassada perplexidade pelo fim da relação, com mágoa por resolver, nostalgia suave ou saudade dilacerante. As modelos, pelo menos as de pósteres de tiragem recente, não são Giocondas renascentistas com biografia imponderável, têm decerto uma vida e relações sociais e amorosas, maridos ou amantes orgulhosos ou ciumentos que hão-de regularmente cruzar-se com a sua imagem em suportes publicitários de rua e que em algum momento tomarão o seu tempo perante as fotografias a remoer a raiva ou a satisfazer a vaidade. Conheci um tipo que se separou porque não aguentava ver a sua mulher, actriz, contracenando em amplexos amorosos e beijos lânguidos com actores a esmo. Evitava os cinemas e a televisão, mas não podia esconder-se sempre da publicidade de rua, que sendo estática não é menos intrusiva e favorece uma observação mais prolongada.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

O abcesso da manhã


Ele não o diz assim, e decerto repudiaria a última frase, mas a verdade é que custa resumir de outra maneira a defesa que João Miguel Tavares faz do Correio da Manhã, o lixo onde uma quantidade previsivelmente grande de pessoas escreve porque o dinheiro dá jeito ou porque não tem a força de carácter necessária para recusar o apelo sedutor das audiências que por aquela via miserável lhe são emprestadas.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

A salvação é possível, irmãos!

Apesar do nome, Salvador Sobral não vem redimir anos de indigência televisiva. Mas, ah, sabe bem esta pausa na nacional e proverbial pimbalhice! A estratégia de Nuno Artur Silva (de que já aqui falei) foi recompensada e veio relembrar a condescendência, a indiferença, o niilismo ou a cobardia de sucessivas direcções editoriais das televisões, pública e privadas. Sim, a popularidade é possível por outras vias.

A ironia de sempre é que as televisões são por natureza máquinas de popularizar e, quando, inseguras, incompetentes ou cínicas, baixam a sua bitola ao nível da miséria intelectual, popularizam lixo. Décadas de irresponsabilidade institucional fizerem crer que a única forma de comunicar esteticamente com as massas era através da mediocracia artística. Mas eis que o país, um país maior do que as habituais bolsas de resistência cultural, se mostra capaz de apreciar e amar uma boa canção, mais devedora ao jazz do que à fórmula habitual de encher as insuportáveis e itinerantes chouriças de sábados e domingos à tarde.

Ainda não será desta que as populações se revoltam contra a imagem que a televisão faz delas, mas talvez fique um pouco mais evidente que aquela imagem é, antes de mais, o espelho de quem faz televisão.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

«Todo o verso é um romance inacabado»

A primeira mesa do FLiD - Festival Literário Douro tinha como mote «Todo o verso é um romance inacabado». Tentei não dizer demasiadas banalidades:

Dantes, quando tinha tempo e disposição, escrevia pequenas narrativas a propósito de quase nada. Um objecto esquecido num balouço, uma boneca sem braços, a passagem furtiva de um animal, o olhar de alguém que se cruzava com o meu, uma cena de namorados brevemente entrevista, uma criança pela mão do avô, a manobra de um carro, o título de uma notícia, o caminhar de uma pessoa, um gesto, uma atitude, uma expressão, frases ou breves trechos de conversas que discreta mas indelicadamente ouvia.

Estas coisas não serão exactamente versos, mas, do pouco que sei de poesia, parecem-me suas familiares, têm a mesma concisão, encerram igual miríade de histórias ou emoções, colhem, como os versos, porções de existências que nós, espectadores, apanhamos a meio do seu decurso e para as quais podemos imaginar múltiplas hipóteses de desenlace e múltiplas causas prováveis.

Um gesto, um som, um cheiro, uma frase eram o suficiente para eu imaginar uma história, personagens, relações entre elas. Aqueles pequenos nadas que me inspiravam eram pedaços da natureza ou de vidas alheias fixados como numa fotografia ou num excerto de filme. Poderiam ser partes de romances, se fossem literatura, e, na sua exiguidade narrativa, seriam romances inacabados, tanto porque apenas indiciavam a intriga como porque ainda estavam a decorrer.

Julgo que a poesia recolhe pedaços destes, em estrofes de menor ou maior dimensão, mas, ao invés do romance, não procura geralmente contar a história a que eles pertencem ou que evocam. É um exercício diferente, se calhar contrário ao romance. Possivelmente parte da mesma observação do mundo, mas limita-se a registar o fenómeno, a encontrar as palavras certas, precisas, para o representar em toda a sua amplitude semântica e em toda a inconcretude, de modo a fornecer ao leitor um conjunto de emoções, de sentimentos estéticos, de possibilidades de sentido, mas preservando o enigma, o mistério, a indefinição — a inconclusão, precisamente.

Não que o romance, nas suas variadas formas e intenções, não se permita igualmente deixar tudo em aberto, tudo por explicar, tudo por contar, mas fá-lo espraiando-se pelas páginas, relatando factos e acções, enchendo parágrafos de episódios, descrições, personagens e diálogos, acumulando reflexões.

Imagino os versos — do mesmo modo que os fenómenos naturais ou sociais que inspiravam os meus pequenos textos — como espoletadores de memória ou imaginação. Uma imagem, um cheiro, um som, um toque têm o condão de activar lembranças e emoções a elas associadas. Por vezes não chegam a despertar a lembrança em si mesma, mas apenas a emoção, e até uma emoção sem biografia. O nosso humor, o nosso estado de espírito podem ser mudados por uma imagem, um som, um cheiro, um toque sem que sejamos capazes de compreender a razão por que mudaram, ou sem que precisemos de compreender a razão.

O romance reage a estas espoletas a maior parte das vezes procurando vasculhar na memória pessoal do autor histórias a que pertenceram fenómenos equivalentes e que aguardavam serem narradas, ou despertando a sua imaginação para possibilidades de dramatização especulativa dos mesmos fenómenos.

O romance quer pôr em cena. O verso procura talvez ser apenas a imagem, o som, o cheiro, o toque. Ambiciona o mesmo poder de síntese extrema, a mesma eficácia de mola emocional. O verso é a espoleta. Não precisa de contar como ou por que se deu a rejeição, por exemplo, para que o leitor sinta a frustração e a tristeza do amante rejeitado. Não necessita de descrever como era bela a vida noutro tempo ou noutra terra para que a saudade venha à tona no espírito de quem lê.

O verso é talvez símbolo, ideograma, representação sensitiva e abstracta. O romance, pelo seu lado, desenvolve a ideia, tentando compreendê-la com um certo grau de racionalidade, mais ou menos materialista, mais ou menos conceptual. E nos melhores casos falha. Quando se aproxima suficientemente da vida, da sua complexidade, da sua ambiguidade, das suas contradições e do seu absurdo, o romance não pode concluir-se, mesmo que grafe a palavra “fim” na última página. A existência não cabe num romance; nenhuma vida em particular cabe num romance. Pelo que também todo o romance é na verdade um romance inacabado.

De resto, haveria alguma diferença se Kafka tivesse concluído O Processo ou O Castelo?


4/5/2017


sexta-feira, 17 de março de 2017

Menina e Meças

A SPA premiou duas obras de que gostei: o álbum Menina, de Cristina Branco, e o romance (ou novela) O Meças, de Rentes de Carvalho. O primeiro, composto sobretudo por uma nova geração de diferentes autores, representa um Portugal plural, cosmopolita, capaz de usar criativa e luminosamente o lastro da lusitanidade. O segundo é também um retrato fiel, mas de um Portugal atávico, machista, misógino, homofóbico, boçal e brutal. Este país existe e convém não o ignorar. Aconselha-se contudo prudência no seu manuseio, se não queremos habitá-lo por osmose. Acontece.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Bom gosto

Um tipo sente-se por momentos reconciliado com o país quando descobre que venceu o Festival RTP uma canção bonita.

A RTP (ou o Nuno Artur Silva por ela) teve a melhor ideia em décadas: convidar para o seu festival alguns dos mais interessantes compositores de canções da banda sonora lusa neste século. Parece-me que foi um dos primeiros gestos de coragem contra a hegemonia e o proselitismo pimba que têm dominado o panorama televisivo, RTP incluída. E só nos pode deixar felizes que o júri e uma boa parte do público tenham escolhido uma canção que despertara indignação nas redes sociais e nos tablóides por não ser “festivaleira” nem o cliché que tradicionalmente se espera. Por uma vez, foi ignorada a tirania da “opinião pública” precipitadamente deduzida das estatísticas dos likes, emoticons e verborreia de caixa de comentários. Por uma vez, o bom gosto venceu.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Fraquezas

O livro de Saramago de que mais gostei foi 'O Ano da Morte de Ricardo Reis': um “clássico”. Em segundo lugar, 'Ensaio Sobre a Cegueira': ficção científica. Terceiro, 'Todos os Nomes': misantropia. O grande mérito de Saramago foi conhecer bem as minhas fraquezas.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A História

Pelo que leio aqui e ali, alguns dos cínicos que andaram jovialmente a servir-se de Trump para verter o seu ressentimento contra a “esquerda”, as “elites”, os “artistas”, os “intelectuais” et tutti quanti começam discretamente a distanciar-se do ogre, como se nunca se tivessem embevecido com ele, nunca tivessem sido íntimos. O que vou dizer talvez seja um pouco dramático, mas desconfio que a História não se vai esquecer deles.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Salvar o mundo pela tesoura

Há muitos anos, quando eu acreditava que o mundo se salvava pela ironia ou o humor e tentava dar o meu contributo com diatribes a esmo, entusiasmando-me demasiado com elas, um bom amigo lembrou-me que procurar vencer ou ridicularizar alguém apontando aos seus atributos físicos era uma confissão involuntária de falta de argumentos, uma exibição de raciocínio e lógica medíocres e, ao fim e ao cabo, uma forma de cobardia. Ser manco, anão, corcunda, míope, careca ou conjunturalmente feio não eram opções das pessoas, não tinha sido obra sua, não as podíamos responsabilizar por isso e, o que mais importa, não era isso que fazia delas escroques.
Como se compreende, não é honesto e muito menos um sinal de superioridade chamar alguém de caixa-de-óculos, por exemplo. Mas pode-se criticar o gosto da pessoa na escolha dos óculos. Tal como não é justo rir de uma calva mas legítimo desaprovar o modelo do capachinho.
Ou seja, não podemos responsabilizar Donald Trump pelo seu fácies infeliz — mas não seremos racistas por reparar na cor da sua pele: tirando a possibilidade remota de ele sofrer de doença aparentada à de Michael Jackson (mesmos sintomas, diferente paleta), aquele tom é opção do utente. Já no que se refere ao formato do cabelo é não só legítimo mas imperativo relacionar o corte abstruso e pertinaz com as ideias cretinas que lhe povoam a cabecita.

A esperança da humanidade reside, portanto, na autoridade clínica do oftalmologista de Melania. Ou na Bíblia, designadamente no Livro dos Juízes, 13-16. Serão os eslovenos capazes de despertar fervor patriótico em Melanija Knavs e, sobretudo, terão 1100 moedas para a convencer a usar a tesoura como Dalila em Sansão?
Depois é só ter o cuidado de o afastar dos pilares que sustentam o templo. Que ele aliás já começou a derrubar, mesmo com a estúpida guedelha intacta.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A voz grossa do cinismo político

À esquerda e à direita anda vária gente atarefada a explicar-nos como somos hipócritas ou susceptíveis ao julgar tão duramente Trump. Apresenta uma de duas razões (às vezes as duas):
— Obama, o falinhas-mansas, seguia na prática os mesmos princípios de uns EUA imperialistas; porque só nos indignamos agora com Trump?
— Trump pode não ter muito tacto, mas que importa isso se ele reformar o sistema americano, tão corrompido pelas elites e pelo politicamente correcto?
Imaginemos por instantes que a sagacidade destes branqueadores trumpianos não está profundamente arruinada. Sim, aceitemos por momentos que a política externa de Trump se limitará às convencionais linhas da "tradição imperialista americana" ou que ele e a equipa de anjos que nomeou algum dia se interessarão por mudar o sistema em favor dos cidadãos.

Não será o carácter odioso de Trump suficiente para a ele nos opormos com singular veemência? Um carácter que, ao contrário do que esperavam os que acreditavam na sua normalização, ele diariamente enfatiza com palavras, atitudes e, agora, despachos presidenciais, além dos patéticos tweets?

Que haja à direita e à esquerda gente tão propensa a aceitar, implícita ou explicitamente, um presidente assim lembra não apenas como obstinações ideológicas opostas podem convergir na mesma idiotia cúmplice, mas também que a falta de empatia com mulheres, minorias ou o outro, disfarçada com a voz grossa do cinismo político, não é um exclusivo de façanhudos americanos. Neste triste domínio, o farwest é também aqui ao lado.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Dinis

Depois de ter afirmado em editorial que «o jornalismo não vive uma crise» e de ter sido criticado por isso, o actual director do Público comentou uma notícia sobre o sucesso do novo livro de José Rodrigues dos Santos (90 mil exemplares) ironizando: «será caso para dizer que a literatura está em crise»*.
Está tudo dito sobre o novo Público.


* Alguém comentou a ironia de Dinis dizendo que «a Renova também continua a vender bem». Salva-nos o humor.