Está um tipo a tentar trabalhar e é-lhe infligido um concerto de fim-de-tarde pela janela dentro. Felizmente, não há o apelo de ir ver (a não ser aquele apelo primitivo do horror, que nos impele a espreitar acidentes).
Mas como se trata de um repertório anos 80 (ainda que pouco sofisticado, rock M80, top of the tops, Woodstock de galera de tractor para província ver) lá surge uma ou outra memória teimosa e despropositada a envergonhar-nos. Antes fosse pimba, que autoriza uma raiva sem concessões.
sábado, 31 de maio de 2014
As artes e o público
[Teaser para um ensaio in progress]
À saída do espectáculo DEIXEM O PIMBA EM PAZ (uma reinvenção brilhante de Filipe Melo e Nuno Rafael a partir do hegemónico repertório pimba) alguém registou duas reacções dos espectadores:
1) a dos que gostaram porque os novos arranjos eram música genial;
2) e a dos que gostaram porque dava para reconhecer as cantigas originais.
Esta reacção do público parece demonstrar que é possível fazer arte consensual, ou mesmo arte de qualidade para uma imensa maioria. Dar-se-ia assim razão a Filipe La Feria, que terá dito na noite dos Globos de Ouro que «o segredo das casas cheias é o talento».
(...)
À saída do espectáculo DEIXEM O PIMBA EM PAZ (uma reinvenção brilhante de Filipe Melo e Nuno Rafael a partir do hegemónico repertório pimba) alguém registou duas reacções dos espectadores:
1) a dos que gostaram porque os novos arranjos eram música genial;
2) e a dos que gostaram porque dava para reconhecer as cantigas originais.
Esta reacção do público parece demonstrar que é possível fazer arte consensual, ou mesmo arte de qualidade para uma imensa maioria. Dar-se-ia assim razão a Filipe La Feria, que terá dito na noite dos Globos de Ouro que «o segredo das casas cheias é o talento».
(...)
Chicote
O inefável jornal do Blasfémias,
que José Manuel Fernandes finge não dirigir, apresentou esta noite uma citação
que resultaria irónica se não fosse cínica: «A função do jornal é confortar os
atacados e atacar os confortáveis.*»
Depois de passar três anos a atacar os portugueses por terem «vivido
acima das suas posses», depois de defender mais e mais cortes salariais (ainda
hoje, aliás), depois de três anos sempre do lado dos bancos e das empresas que pagam
impostos no estrangeiro, aquela gentinha resolveu vestir agora os collants de Robin Wood — não se percebe
se para que ríssemos, se para açular o sádico que há em nós.
* Finley Peter Dunne
* Finley Peter Dunne
segunda-feira, 26 de maio de 2014
domingo, 25 de maio de 2014
Deus, diz-me onde construo a Arca.
Um agressor e assassino de mulheres é mascote de
foto-piadolas na internet e é aplaudido na sua entrada em tribunal. Duas faces
do mesmo país boçal. É perante quadros destes que acho a crise leve, enquanto
nação merecemos mais, uma purga a sério, uma das pragas da Bíblia, pelo menos.
quinta-feira, 22 de maio de 2014
Cu
Da minha geração e anteriores, muita gente escreve cu com assento. Embora pareça, cu com assento não é um imerecido privilégio pré-troikiano, é um erro ortográfico. Erro que juraria vir do facto de no nosso tempo a palavra ser lida apenas em publicações malformadas. Malformadas mas muito consultadas e manuseadas.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
TV, the drug of the nation
Anunciaram-lhe o decesso por conveniência táctica (e isso mostra que, sendo mal intencionados, não são parvos), mas a televisão de sinal aberto continua a ser o principal meio de formatar o gosto e a opinião do país. Qual internet, qual cabo.
O proselitismo existe, é pimba, hiperactivo e, com bênção governamental, exclusivo.
O proselitismo existe, é pimba, hiperactivo e, com bênção governamental, exclusivo.
Feeling good
Fiz uma boa acção. Duas. Acrescentei finalmente à minha lista* de blogues o excelente Catastrophe e eliminei os cretinos do Blasfémias (onde tinha eu a cabeça quando meti aquela merda na lista? já não tenho idade para me irritar). Vou dormir um pouco mais feliz.
*Um dia organizo isto por ordem alfabética ou de preferência.
*Um dia organizo isto por ordem alfabética ou de preferência.
sexta-feira, 16 de maio de 2014
Má-língua
Os que se preocuparam com os ajustes directos de Fernando Tordo já foram ver o caderno de encargos de Kátia Guerreiro?
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Tupperwares
Enquanto o país se distrai com o Benfica, eu ocupo-me de problemas sérios. Tenho recebido apoio alimentar de diversas proveniências e, chegada a hora de devolver os tupperwares, não sei quais pertencem a quem… As cores não ajudam. Tirando os reciclados de sobremesas, é tudo amarelo ou laranja. Vou ter de tomar medidas: de hoje em diante, só aceito solidariedade a fundo perdido ou em tupperwares etiquetados.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Pensando bem
Pensando bem, o meu problema nunca foi a permanente hesitação entre
Bowie e Morrissey (para falar de uma delas). O meu problema foi optar sempre
por Araújo, esse inconseguimento.
Comovente
Morrissey em concerto apertando sucessivamente as mesmas mãos (a boca
de cena não é assim tão larga) mas dizendo «they’re so many». A espaços, sobem
fãs ao palco, e comovente é ver os enormes seguranças caírem sobre elas como
armários num terramoto e numa súbita contenção pegarem-lhes com pinças, levando-as
dali com delicadeza, lembrando-se talvez que não se maltrata mulheres.
quarta-feira, 7 de maio de 2014
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Tirania e despotismo
De que serve ter-se arquitectado dois posts e um trabalho académico se ao pôr-se o sol na varanda a
sensação é a de que se perdeu um dia de vida? Pelo menos um dia de Primavera,
desses raros ensolarados e amenos. Não, a literatura só é útil quando podemos
dela desfrutar encostados a uma árvore ou rocha, respirando o ar puro dos
montes nordestinos ou da falsa planície alentejana, ouvindo o murmúrio de um
ribeiro ou o incessante restolhar de uma cascata, a conversa cíclica da
beira-mar. É-se escritor de Inverno, por necessidade, ausência de sol e
alternativas. Mas o que se deseja é o Verão interminável e a possibilidade de se
ser apenas leitor. Tirania é ter de trabalhar seja de que forma for quando
chega Maio. E despotismo é que depois de Setembro nos imponham Outubro e os
meses tenebrosos.
O retrato do escritor
Já escrevi sobre isto algumas vezes: é um erro que manuais escolares, jornais,
revistas literárias, contracapas e badanas ou separadores televisivos (estes já
só em dias de centenário) passem o tempo a mostrar imagens dos escritores clássicos
enquanto velhos. A escrita literária não dispensa, geralmente, maturidade e
sapiência, mas não é uma actividade reservada a anciãos, como a iconografia
editorial sugere. Pedagogicamente, esta tradição ou inércia tem sido catastrófica.
A juventude está por vezes disponível para a literatura, mas é sempre avessa a
projectar-se a si própria na terceira idade. E o que a imagética institucional tem
feito é dar à juventude a desculpa de que ela precisa para remeter os clássicos
para a cave bafienta da paleontologia (sem que Hollywood tenha feito com os escribas
jurássicos o mesmo marketing que fez
com os dinossauros).
Somado o fosso geracional ao fosso histórico — tão fundamente cavados
pela passagem do tempo, a invenção da cor, a evolução do trajar e do pentear, e
pelas escolhas preguiçosas dos responsáveis gráficos —, é uma verdadeira
surpresa que hoje alguém com menos de trinta anos se interesse por literatura
com mais de vinte anos (quando já tão dificilmente se interessa por literatura tout court).
É certo que em alguns dos casos mais antigos não há retratos disponíveis
do escritor enquanto jovem. Sobram uma estatuária amputada, umas gravuras que parecem
de santinhos da igreja, de duvidosa correspondência ao modelo biológico. Mas, havendo
pudor de fazer passar esta iconografia por um processo inverso ao da Maddie (um
rejuvenescimento especulativo computadorizado),
restavam duas soluções: assegurar-se que de autores mais recentes se publicavam
sobretudo as fotos menos envelhecidas, para contrabalançar, ou optar-se por
biografias em vez de imagens, biografias que insistissem particularmente no
facto de os autores terem sido jovens e humanos como todas as outras pessoas.
Porque a verdade é que a maioria dos escritores e pensadores não teve
de esperar pelos sessenta ou setenta anos para escrever as suas melhores obras —
e é isso que a juventude em formação precisaria imediatamente de saber, se não
por imagens, por palavras. Que, tirando José Rodrigues dos Santos, a literatura
é coisa de gente interessante ou normal, viva ela em que século viva.
Para ser verdadeiramente pedagógico, um livro ou manual escolar deveria
apresentar a imagem do escritor à época que escreveu o texto. Junto com o
cadastro policial e político, testes de alcoolémia, testemunhos de rivais,
resultados de análises às DST e cartas de ex-amantes ressentidos/as.quinta-feira, 1 de maio de 2014
Freud, Pavlov e Green Peace na fila do supermercado
Baixote mas entroncado, vermelhusco, segurando o telemóvel com aparente
mau jeito, espera na fila enquanto fala com o que se suspeita ser uma esposa provisoriamente
desavinda, talvez uma ex-mulher com esperanças ou contas a ajustar. Longos
silêncios significam que escuta. Ou finge escutar, já que quando fala retoma
exactamente ao ponto anterior da conversa, como se do lado de lá não tivessem
dito nada, acrescentado nenhum argumento ou informação nova. A espaços, bufa e
solta pequenas interjeições, faz comentários para o lado, como se os clientes
do supermercado fossem a sua plateia e ele tivesse apartes a cumprir no texto
que o autor escreveu para si na peça. Pede a nossa simpatia para a maçada que
enfrenta pacientemente, a nossa cumplicidade com a sua condescendência, o nosso
sorriso para as suas piadolas paternalistas, o nosso aplauso para os súbitos rasgos
de autoridade, à homem. Machistas.
Quando chega a vez dele na caixa, rejeita o saco plástico e desdobra o
seu próprio saco reutilizável, gesto inesperado para figura tão claramente desinteressada
do conceito de sustentabilidade ambiental. O que devia desiludir quem acredita
na adesão consciente, não-pavloviana, do povo a campanhas de sensibilização. Ou
dar um pequeno gosto de vingança à ex-cônjuge do indivíduo em estudo:
certamente foi ela quem lhe incutiu o hábito económico ou ecológico que ele
ternamente perpetua.
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