Baixote mas entroncado, vermelhusco, segurando o telemóvel com aparente
mau jeito, espera na fila enquanto fala com o que se suspeita ser uma esposa provisoriamente
desavinda, talvez uma ex-mulher com esperanças ou contas a ajustar. Longos
silêncios significam que escuta. Ou finge escutar, já que quando fala retoma
exactamente ao ponto anterior da conversa, como se do lado de lá não tivessem
dito nada, acrescentado nenhum argumento ou informação nova. A espaços, bufa e
solta pequenas interjeições, faz comentários para o lado, como se os clientes
do supermercado fossem a sua plateia e ele tivesse apartes a cumprir no texto
que o autor escreveu para si na peça. Pede a nossa simpatia para a maçada que
enfrenta pacientemente, a nossa cumplicidade com a sua condescendência, o nosso
sorriso para as suas piadolas paternalistas, o nosso aplauso para os súbitos rasgos
de autoridade, à homem. Machistas.
Quando chega a vez dele na caixa, rejeita o saco plástico e desdobra o
seu próprio saco reutilizável, gesto inesperado para figura tão claramente desinteressada
do conceito de sustentabilidade ambiental. O que devia desiludir quem acredita
na adesão consciente, não-pavloviana, do povo a campanhas de sensibilização. Ou
dar um pequeno gosto de vingança à ex-cônjuge do indivíduo em estudo:
certamente foi ela quem lhe incutiu o hábito económico ou ecológico que ele
ternamente perpetua.
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