Chegam ruidosos, em modo botellón,
com bebidas enfiadas em sacos e empurrões amistosos de gorilas na tundra. Argumentam,
discordam, objectam, como costumam fazer nas pausas de ulular hinos
futebolísticos ou apor letras obscenas a repertório tunante. Mas, surpresa!, a
discussão é sobre figuras de estilo. Não sobre figuras estilosas do futebol ou
da música. O tom e o vernáculo são os mesmos, mas o assunto é gramática. Defendem,
uns, e contestam, outros, a ocorrência do advérbio metaforicamente.
— Metáforas existem, é óbvio, mas metaforicamente
não se diz.
— Diz, claro que diz. Então se se diz anaforicamente, que vem de outra figura de estilo, porque não se
havia de dizer metaforicamente?
Eu, que sempre demoro uns segundos a distinguir anáforas de ânforas, espanto-me e alimento
a esperança de estar perante uma tertúlia literária. (Elas dão-se onde menos se
espera, anelo.) Mas depois os tertulianos iniciam uma guerra convencional disparando
cubos de gelo em todas as direcções, incluindo na dos carros estacionados, e um
proprietário vem prevenir possíveis danos no seu Mitsubishi exibindo um martelo
na mão («porque eram muitos», dirá mais tarde) e verifico com fadiga que não foi
esta noite que o mundo saiu do seu eixo.
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