Herdei da infância palavras que durante muitos anos repeti e
não questionei, talvez porque eram apenas usadas num contexto muito particular,
entre conterrâneos, como termos de um dialecto.
«Grumo» era uma delas, talvez das mais representativas.
O meu pai, na infância, foi «grumo» e os meus tios foram
«grumos». Um dia contei a um amigo que, nas décadas de trinta e quarenta do
século passado, os rapazes ficavam felizes se tinham a sorte de ir para «grumos»*.
O meu amigo perguntou que sorte era essa, desconhecia a
palavra a não ser como sinónimo de coágulo. Será que eu queria dizer que antigamente
os rapazes da minha terra cismontana ambicionavam ser marinheiros? «Grumo» como
abreviatura ou petit nom de «grumete»?
Disse-lhe que não, o mar ficava longe, naquela altura.
Mas era feliz a associação de ideias entre «grumo» e
grumete. Ambos os termos designavam o escalão mais baixo das respectivas carreiras,
ocupado por crianças ou adolescentes.
Naquele dia, contudo, a existência pacífica da palavra
«grumo» na minha linguagem ficou comprometida. Já não conseguia dizê-la sem me
sentir embaraçado, como quem é apanhado a usar má pronúncia, a dar erros
ortográficos.
Sempre achara, embora raramente pensasse nisso, que «grumo»
era o aportuguesamento de uma palavra estrangeira mais ou menos homófona, como
acontecia com tantas novidades que a modernidade importara, bicicleta, futebol,
vocês sabem.
Fui ao Google munido especulativamente de «groom» e este remeteu-me
logo para duas possibilidades na língua inglesa: noivo ou moço de estrebaria.
De novo, a segunda acepção apresentava familiaridades — não de objecto, mas de grau
— com a definição de um «grumo», mas não havia uma coincidência suficiente.
Fui aos dicionários online
de Cambridge e de Oxford, e não havia ali novidades em relação ao Google. Aquele
«groom» tinha mesmo um ar suspeito, mas os dicionários recusavam-se a
delatá-lo. Os significados não descreviam o meu «grumo».
Tinha procurado no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto
Editora, sem sucesso, a palavra «grumo». O dicionário está cheio de estrangeirismos
e regionalismos, quem sabe o uso do termo não era mais generalizado do que o que
eu pensava? Não era, pelos vistos. Mas o mesmo dicionário tinha surpreendentemente
«groom», que descrevia como «palavra inglesa que significa criado; moço de
recados». Ora, o nosso «grumo» era exactamente isso. Confirmava-se a origem,
portanto.
Ficou ainda assim uma dúvida: mas então um dicionário
português dizia que «groom» era um moço de recados em inglês e os dicionários
ingleses não diziam que um «groom» era um moço de recados?
Neste confronto entre dicionários reparei que o de Oxford,
no fundo da página, descrevia a origem de «groom» como estando no Inglês Médio (significando,
exactamente, rapaz, criado masculino). O Inglês Médio, fui ver, inicia-se com a
conquista normanda da Inglaterra. Voilà!, pensei então: os normandos eram mais
ou menos franceses, não eram? Querem lá ver que o nosso «grumo» veio mas é da
França?
Se tivesse pensado como um português da aurora do século XX
e não como um português do século XXI, talvez me tivesse recordado que a
maioria dos neologismos e estrangeirismos antigamente nos vinham de França e
não de Inglaterra. Tinha poupado trabalho e este embaraço público. Bastava ter
escolhido a língua francesa no tradutor do Google e lá estava: «groom: ‘carregador’, ‘mensageiro’, ‘paquete’». Ou,
se optasse pelo Larousse: «Jeune employé d'hôtel, de restaurant, de cercle,
chargé de faire les courses». Grumo, em suma.
Tudo isto a propósito de hoje ter visto no novo museu das
termas das Pedras Salgadas (ou ‘Pedras Experience’) o meu pai lembrando em vídeo
que tinha sido um «grumo» nos hotéis das termas, com as legendas a traduzirem comicamente
para inglês que ele tinha sido um «Brumo».
Dando de barato que não foi o Google a legendar o vídeo, resta
concluir que foi uma pessoa manifestamente alheia ao dialecto das Pedras.