Já escrevi sobre isto algumas vezes: é um erro que manuais escolares, jornais,
revistas literárias, contracapas e badanas ou separadores televisivos (estes já
só em dias de centenário) passem o tempo a mostrar imagens dos escritores clássicos
enquanto velhos. A escrita literária não dispensa, geralmente, maturidade e
sapiência, mas não é uma actividade reservada a anciãos, como a iconografia
editorial sugere. Pedagogicamente, esta tradição ou inércia tem sido catastrófica.
A juventude está por vezes disponível para a literatura, mas é sempre avessa a
projectar-se a si própria na terceira idade. E o que a imagética institucional tem
feito é dar à juventude a desculpa de que ela precisa para remeter os clássicos
para a cave bafienta da paleontologia (sem que Hollywood tenha feito com os escribas
jurássicos o mesmo marketing que fez
com os dinossauros).
Somado o fosso geracional ao fosso histórico — tão fundamente cavados
pela passagem do tempo, a invenção da cor, a evolução do trajar e do pentear, e
pelas escolhas preguiçosas dos responsáveis gráficos —, é uma verdadeira
surpresa que hoje alguém com menos de trinta anos se interesse por literatura
com mais de vinte anos (quando já tão dificilmente se interessa por literatura tout court).
É certo que em alguns dos casos mais antigos não há retratos disponíveis
do escritor enquanto jovem. Sobram uma estatuária amputada, umas gravuras que parecem
de santinhos da igreja, de duvidosa correspondência ao modelo biológico. Mas, havendo
pudor de fazer passar esta iconografia por um processo inverso ao da Maddie (um
rejuvenescimento especulativo computadorizado),
restavam duas soluções: assegurar-se que de autores mais recentes se publicavam
sobretudo as fotos menos envelhecidas, para contrabalançar, ou optar-se por
biografias em vez de imagens, biografias que insistissem particularmente no
facto de os autores terem sido jovens e humanos como todas as outras pessoas.
Porque a verdade é que a maioria dos escritores e pensadores não teve
de esperar pelos sessenta ou setenta anos para escrever as suas melhores obras —
e é isso que a juventude em formação precisaria imediatamente de saber, se não
por imagens, por palavras. Que, tirando José Rodrigues dos Santos, a literatura
é coisa de gente interessante ou normal, viva ela em que século viva.
Para ser verdadeiramente pedagógico, um livro ou manual escolar deveria
apresentar a imagem do escritor à época que escreveu o texto. Junto com o
cadastro policial e político, testes de alcoolémia, testemunhos de rivais,
resultados de análises às DST e cartas de ex-amantes ressentidos/as.
Sem comentários:
Enviar um comentário