«Durante trinta anos, Portugal gastou bastante mais do que ganhou» e agora tem de pagar os desvarios. Num ano ou dois.
Aquele é o diagnóstico (de resto acertado), e esta é a sentença, pronunciada com um sadismo de velho mestre-escola.
Percebo o furor. A um queirosiano não são permitidas meiguices. Depois de Uma Campanha Alegre, malho que hesite não conta.
No entanto, a venerável retórica de Vasco Pulido Valente, se serve para nos divertir, não serve a verdade.
O endividamento de Estado não foi uma originalidade nacional, mesmo tendo em conta os níveis absurdos que atingiu com Sócrates. Durante as últimas décadas, esta foi uma praxis ocidental, aliás incentivada pelo sistema económico internacional vigente, com manifesto regozijo dos mercados. Um estado que resolvesse seguir um caminho diferente ou era nórdico ou era estúpido. Ora, não consta que haja fiordes em Portugal e desde 1986 que a Europa não nos deixa ser (demasiado) estúpidos. Pelo contrário: de alguma forma, a Europa indicou-nos este caminho, ao “sugerir-nos” que não havia necessidade de produzirmos tanto em áreas como a agricultura e as pescas, por exemplo.
O descalabro poderia ser evitado? Claro. Aqui como na Espanha ou em Itália. Ou nos Estados Unidos. Mas, de certeza que cinco anos atrás havia assim tanta gente favorável a uma mudança de paradigma económico (que é aquilo que está em cima da mesa)?
Um destes dias, a Europa e os EUA vão descobrir que não se resolve em 24 meses um erro colectivo velho de trinta anos. Isto muito antes de descobrirem que a premissa de crescimento permanente em que assenta o capitalismo também terá de ser revista.
*Público de hoje.