Quando as televisões generalistas fazem referência em
horário nobre à estreia de um espectáculo de teatro, esse espectáculo é uma
comédia ou tem actores que a própria televisão mediatizou noutras actividades. Na
maior parte das vezes verificam-se as duas situações: é uma comédia com actores mediáticos.
De resto, não é por atribuírem importâncias às artes do
palco que as televisões referem os espectáculos. Fazem-no para apanhar boleia
do impacto que sabem que aquelas peças (jornalísticas) vão ter. É a
mediatização a alimentar-se de si mesma. É notícia aquilo que a figura pública
faz quando é feito por ela, não por
alguém desconhecido. O mesmo espectáculo protagonizado por actores
desconhecidos (ainda que excelentes) jamais terá honras de fecho de telejornal.
A televisão teme não ser vista. Vive nesse pânico. Torna-se
histérica. Patológica. Deixa de ser um veículo de imagens, janela do mundo,
para se tornar espelho de si própria. Aquilo que uma vez funcionou, foi visto
pelos espectadores, é tudo o que a televisão arrisca mostrar. Apressa-se a
deitar fora o que quer que tenha ficado um grau abaixo das melhores
expectativas. Reduz o foco da sua atenção até, no futuro, não restar mais do
que um pixel no centro do ecrã. O mais mediático pixel da história da
humanidade. Devemos ansiar por esse dia.
Mecenato
Algo parecido acontece com o “mecenato” em Portugal. Com a
fraca excepção dos equipamentos nacionais (em Lisboa e Porto), nenhuma empresa
ou instituição patrocina a sério as artes neste país. Os patrocínios vão todos
para artistas ou eventos mediáticos (por definição capazes de sobreviver sem
apoios). Isto porque as empresas e as instituições (mesmo que em parte do
Estado) não tencionam prestar nenhum serviço público. Como as TVs, querem apenas
apanhar boleia do que é mediático, promoverem-se a si mesmas. Na verdade, o que
fazem é comprar espaço de publicidade nos cartazes ou nos palcos das
actividades que dizem apoiar. E que, perversamente, promiscuamente, acabam por
apoiar de facto, promovendo ainda mais o que já é sobejamente conhecido e não
raro medíocre.
Decisores
Isto não acontece porque o panorama artístico nacional,
aquele que resiste apesar de tudo, seja miserável. Não é. Acontece porque a
sofisticação cultural da maioria dos empresários e responsáveis deste país é
nula*. Televisões, instituições e empresas estão-se nas tintas para a arte. São
apenas agentes da previsibilidade, elemento e alimento do ciclo vicioso.
Público
O grande público é apanhado nas voltas deste ciclo vicioso,
verdadeiro rolo compressor de mentalidades. Tudo o que lhe é dado a ver, tudo o
que levam até ele, é aquilo que ele conhece. Não o questionam, não lhe pedem a
opinião. Não o tratam democraticamente, apresentando-lhe em pé de igualdade um
leque de alternativas para que ele possa escolher, em liberdade. Não o
respeitam, portanto. Não o deixam ser livre. Não arriscam.
* Um estudo interessante e
esclarecedor seria aquele que divulgasse a quantidade de vezes que, nos últimos
anos, entraram num teatro, e para ver que espectáculos, os responsáveis por
empresas e instituições e opinion
makers nacionais. E, já agora, também o quadro de pessoal da Secretaria de Estado da
Cultura.