Mas a realidade tende a lançar algumas sombras no luminoso
retrato neoliberal. Se não é assim
tão comum o pobre laborioso chegar à terra da abundância, é definitivamente
raro o rico estatelar-se na miséria. Há, aliás, uma «força» misteriosa que
impede a despromoção dos ricos e poderosos — mesmo quando o seu desvelo é
deplorável e a incompetência notória.
Se há coisa em que o capitalismo se revela eficaz é em tornar
natural aos olhos de todos que um
rico permaneça rico, um poderoso continue poderoso. A partir de um certo nível,
o elevador não desce — desliza lateralmente. O rico preguiçoso não vem provar
as amarguras da miséria — é-lhe concedida uma fonte de rendimentos diferente. O
poderoso incompetente não cai no poço do elevador — é convidado a exercer o
poder noutra repartição. É isto o que o capitalismo faz melhor: tornar uma
excentricidade inaceitável que um gestor público de topo seja despromovido,
responsabilizado, espoliado.
Veja-se em Portugal quantos dos responsáveis políticos,
quantos empresários, quantos dos poderosos perderam uma quota-parte do seu
poder, quantos apanharam o elevador para o rés-do-chão. A própria Justiça se
encarrega de impedir a queda, quando o desempenho empreendedor se torna
demasiado zeloso e colide com o
direito. Se há crime provado, ele prescreve, naturalmente.
No sistema capitalista como no universo, provar-se-á um dia em
laboratório a existência desta força antigravitacional.
Talvez nessa altura o seu uso possa ser generalizado — se nenhum magnata
registar a patente para permitir que o abismo entre a galáxia dos ricos e a
galáxia dos pobres continue a sua interminável expansão.