António José Seguro teve, com este anúncio, a possibilidade de se mostrar em sintonia com uma visão desprendida do serviço público, de sublinhar a importância simbólica e prática da decisão do seu correligionário, de enaltecer e destacar um gesto raro. Mas, pelo que ouvi na rádio, o dirigente socialista preferiu outro caminho, o duma triste e reveladora sinceridade. Manifestou «pena» por a decisão de César não ter sido a de se recandidatar, dado o seu perfil, as suas qualidades.
As belas palavras contra a eternização de pessoas nos cargos públicos apenas são válidas quando aplicadas aos outros. No que toca aos nossos, eles podem ficar lá para sempre, não há qualquer interesse em substituir quem tão bem nos serve. A democracia interessa-nos até ao momento em que ganhemos as eleições, depois disso é dispensável.
Se havia dúvidas quanto ao carreirismo de Seguro, quanto à sua “clubite”, elas ficaram hoje esclarecidas. A sua mente formatada para pensar sob a perspectiva da tribo, da facção, não foi capaz sequer de guardar as aparências. A decisão de César estava tomada e divulgada — ele podia elogiá-la, mesmo que por dentro lhe doesse o coração socialista. Mas a língua foi mais rápida do que o pensamento, e Seguro, num exercício de transparência que lhe agradecemos, lamentou publicamente a perda de um ganhador de eleições. O partido agora vai ter de lutar mais para manter o poder no arquipélago e isso, a única coisa que importa a este género de servidores da pátria, é uma chatice, claro. O aprofundamento da democracia não atenua nem um pouco a mágoa “socialista”, não compensa o contratempo que a casta enfrenta. É gente desta espécie que nos governa.