Certos bairros das cidades são, à noite, uma espécie de
reserva de vida selvagem. Locais onde depois do crepúsculo se suspende a
civilização, se quebra o fraco verniz que à luz do sol faz com que todos, até estes
jovens, pareçam polidos. O adolescente durante o dia reconhece e sabe a que se
destina a cerâmica lacada com que se mobilam as casas de banho. O mesmo lhe
acontece quando iluminado pelas lâmpadas de halogéneo ou fluorescentes da sua
própria casa. Mas, lançado na penumbra das ruas, o seu lado selvagem vem ao de
cima, sente o apelo da natureza com uma urgência inelutável, mormente se o
apelo vem das entranhas. É como se nele a bexiga se localize junto ao cérebro
e, quando inchada, comprima os lóbulos ou os segmentos de massa encefálica
responsáveis pela inteligência, já de si um pouco espalmados.
O adolescente é mais ávido do que um cão a marcar
território, mas igualmente fascinado pelo cheiro dos seus semelhantes. Suscitado
pela necessidade de se aliviar, tenderá a escolher o local inapropriado onde
outros tenham feito o mesmo. Enquanto verte o seu fluído sobre o dos seus
antecessores, dilatam-se-lhe as narinas num exercício de taxonomia química ou numa
fruição hedonista (ainda não há uma ciência exacta sobre isto).
Porém, verifica-se um desacerto entre estes adolescentes ou
jovens* e outros seres, que compartilham com eles o espaço, mas não o tempo.
Quando a madrugada surge e os últimos espécimes nocturnos se recolhem à cama
como vampiros exauridos ao caixão, há um ritual que se repete: baldes de água
são lançados sobre as soleiras, mangueiras são apontadas às lajes dos
alpendres, impropérios são dirigidos aos céus. O raiar do dia é a charneira
entre estes dois mundos que convivem menos bem do que o carácter quotidiano dos
rituais diria. É certo que os noctâmbulos mal dão pela existência dos seus
simétricos diurnos: quando os não ignoram, desconsideram-nos, não imaginam que
importância lhes hão-de dar. Mas os habitantes da parte solar sentem demasiado
intensamente a existência dos outros, identificam melhor do que gostariam o seu
rasto de amoníaco, vítimas que são de órgãos olfactivos excessivamente
sensíveis.
A convivência pacífica é assim uma aparência, a letargia de
um vulcão. Enquanto usam sonambulamente a esfregona, os que se levantam quando
o Sol nasce amaldiçoam os deuses por terem dotado os adolescentes de tão fraco
discernimento e tão possante jorro. No seu desespero, pedem aos céus a vingança
de um mal de próstata ou o favor dos ventos: que o arco dos cretinos lhes não
poupe os pés. Enquanto não são agraciados, sonham por exemplo com instalar sistemas
de electrochoques accionados por jacto fisiológico. Infelizmente, não
contribuem para a alegria do mundo — não concretizam a instalação.
* O comportamento também é
verificável em espécimes adultos menos desenvolvidos.