As contradições de Passos Coelho (reunidas num vídeo de sucesso na
Internet) provam que os políticos e os governos portugueses agem de forma
semelhante, independentemente da sua cor partidária. Na oposição, prometem sem
decoro, sem que os preocupe qualquer ligação à realidade. No Governo, fazem o
que os deixam — ou o que são obrigados a fazer. A diferença está sobretudo no
paradigma em vigor, na conjuntura.
Em tempo de vacas gordas, todos os governos, cada um à sua maneira, foram
esbanjadores e incompetentes. Chegadas a crise e as imposições externas, todos dançam
a toque de caixa. As eleições de Junho foram inúteis. Se não se tivessem
realizado, a esta hora a austeridade estaria igualmente instalada e medidas “corajosas”
do PS estariam a ser elogiadas nas instâncias internacionais. É um erro
imaginar que não seria assim. O Passos Coelho de Maio não é o Passos Coelho de
agora: caiu-lhe a realidade em cima. O Sócrates de agora não seria o Sócrates
de Maio (ainda que, claro, fiel aos seus próprios defeitos, jurasse sempre que
o era). Ambos são o que lá fora precisam que eles sejam.
Com algumas diferenças, apesar de tudo. Idiossincráticas, em parte.
Passos Coelho parece ter a vontade de fazer algumas coisas bem, é mais frontal
e bastante menos arrogante do que Sócrates. Só isto bastaria para o preferirmos.
Mas há outra diferença que anula esta. Quando forçado a cortar ordenados,
Sócrates fê-lo com alguma progressividade. Com Passos Coelho, acima de mil
euros é tudo tratado da mesma forma. Sócrates poderia ter sido levado a
aproveitar a conjuntura para implementar medidas que reduzissem o fosso entre
rendimentos das classes, se algum do vento soprasse nesse sentido. Passos manter-se-á
obstinado na sua liberalização radical mesmo que contra ele venha a soprar uma
tempestade.