Ao chegar a casa, pesquisei, mas não encontrei a notícia em
lado nenhum. Não a inventei, mas vejo-me estranhamente sem mais informações
sobre o caso. Teria o homem ficado aliviado
ou desapontado com a descoberta da
polícia? Em que momento sentiu ele que acordou para um pesadelo: antes ou depois de ser informado de que a mulher estava viva? Por que razão concluiu, ao acordar, que a lançara pela ribanceira? Porque, no seu apagamento
alcoólico, teve um pesadelo com isso?
Ou porque o sonhou? Ocorreu-lhe a
possibilidade do «crime» porque é coisa que, em momentos de exasperação, lhe
passa pela cabeça e temeu tê-la concretizado?
Ou foi apenas um daqueles sonhos vívidos que nos decepcionam profundamente quando
descobrimos que nada aconteceu? Ligou à filha em pânico ou disfarçando o júbilo?
Quis abraçar ou estrangular o polícia que lhe deu a boa/má notícia? Se não
estivesse bêbado ao acordar (como consta que ainda estava), teria telefonado ou pensado num álibi?
É aqui que o jornalismo difere da literatura. Para o jornal
(ou rádio?), o interesse está no insólito do caso, no caricato. Para a literatura (que é o que importa), a questão é entrar na mente dos protagonistas.
De nada me adiantaria, portanto, ter encontrado a notícia no
Google: ela não daria respostas às perguntas anteriores. E é por elas que
a boa literatura é muitas vezes mais cruel do que as páginas de crime do Correio da Manhã.