O indivíduo espreita os seus
e-mails e, sabe o diabo porquê, detém-se num que alerta para determinado
perigo, certo esquema criminoso ameaçador para a bolsa privada e a saúde
pública. Por vezes o filtro deixa escapar algumas destas mensagens. E outras
que prometem aumentar o pénis ou depilar sem dor. (Depois do susto, percebe-se
que pénis e depilar são felizmente palavras sem um radical comum.) Resolvido a
perder tempo, o indivíduo abre o e-mail em análise. A coisa, tantas vezes
reencaminhada, tem múltiplos pontos de exclamação e um rasto que remonta a 2009.
Neste momento o indivíduo fica fascinado e parte para o Google em safari. Antes
de chegar à região dos Grandes Lagos, descobre um blogue que postou o mesmo alerta
e foi alvo de uma centena e meia de comentários. As reacções são de susto e indignação.
O texto interessa às pessoas, preocupa-as, assusta-as, como era seu objectivo.
Elas têm opiniões sobre o assunto, teorias, denunciam possíveis conspirações. Não
tarda Deus é invocado, os astros, o próprio demónio. A discussão na caixa de
comentários divide-se em duas abordagens: a conspirativa e a esotérica. (Alguns
intervenientes jogam nos dois tabuleiros.) Os insultos entre facções afloram. Lá
para o trigésimo quinto comentário, um dia depois da postagem, uma alma intervém
pela primeira vez e comunica que recebeu o e-mail,
notou que havia nele um nome, uma instituição e um número de telefone que
pretendiam credibilizá-lo. Ocorreu-lhe que ligar para aquele número poderia evitar
alguns equívocos. Fê-lo. A pessoa e a instituição existiam, mas jamais tinham
emitido tal alerta, aquilo era uma fraude, já a conheciam mas nada tinham
podido fazer.
A caixa de comentários do blogue fica por instantes
perplexa, nota-se uma pausa na cadência das intervenções. Depois os seus
habitantes retomam a actividade normal, os místicos insistem na influência das
forças ocultas e os crentes em conspirações aludem ao governo e a certas
corporações. Nenhum se deixou perturbar pelo instante de sensatez que acometeu o
funcionamento do mundo.
Por volta do centésimo comentário, o observador retira-se,
confiante. O debate não voltara a distrair-se das questões essenciais e os
insultos continuavam em crescendo. Dois anos depois ainda havia gente a reencaminhar
a boa nova.
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