Referida assim, a questão até parece do domínio do capricho. E é. Que
mais se pode chamar às opções de Valter Hugo? O uso exclusivo das minúsculas só era uma questão de estilo no sentido que a moda emprestou à palavra: oco, fútil, efémero (como
aliás parece agora provado). Na literatura, o estilo não tem exactamente que
ver com a forma como o escritor utiliza a tipografia. (Se assim fosse, o autor
que usasse sempre a fonte Avant Garde seria talvez de imediato um vanguardista.)
O estilo de Saramago, por exemplo, não se define pela escassa utilização de pontos
finais e sua substituição por vírgulas, embora isso seja fulcral na obra. A
pontuação usada como ele a usava estava ao serviço do ritmo, da sonoridade, da
forma de pensar e narrar. Com Valter Hugo Mãe e as minúsculas não era isso
que acontecia.
Creio ter lido algures uma entrevista onde o autor referiu que não
usava maiúsculas porque queria que a leitura fosse mais torrencial, sem se
deter muito, sem tropeçar nas maiúsculas, portanto. Ora, o que determina o ritmo
da leitura é a narrativa, o enredo, a construção das frases e a pontuação, não a forma como
se utilizam as maiúsculas. Tanto quanto posso julgar pelo único livro de Valter
Hugo que li, a sua prosa (que tinha personalidade, mas por outras razões) não
se distinguia por uma pontuação particular. Pelo contrário, lembro-me de que em
certas passagens havia uma boa quantidade de vírgulas a ceifar, ali postas à
maneira clássica. Se o objectivo era acelerar, o escritor rejeitara
oportunidades de aliviar os travões. E a ausência de maiúsculas, sendo
inesperada e contrária aos automatismos da prática da leitura, até atrasava.
Embora descobrisse no processo que não era o meu género de literatura,
passei uma tarde agradável com O Remorso de Baltazar Serapião, mas
cheguei ao fim a achar que o próprio escritor devia sentir remorsos por se
envaidecer de tão obstinada e fútil originalidade.
Como em Saramago (ou em Lobo Antunes), o leitor despreconceituoso, ao
fim de algumas páginas de leitura persistente, entra naquele universo e vai
progressivamente dançando ao som da música do autor (neste contexto a dança é legítima).
Mas a questão é se vale a pena o esforço. Talvez se descubra que sim, que vale
a pena, mas não é certamente pelas minúsculas — inúteis, contraproducentes, caprichosas
e alheias à literatura como os piercings
de José Luís Peixoto.
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