quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Guarda-roupa

Brotando das cabeças onde se acoitam, as ideias e as ideologias determinam o visual do espécime, começando logo pelo corte de cabelo, cujas raízes, como se sabe, contactam com as sinapses. As rastas e os keffiyeh são exemplos sobejamente conhecidos em certa esquerda, mas nunca se fala suficientemente das opções estilísticas da direita. Não são muitas nem muito imaginativas, é verdade, mas há alguns aspectos amorosos. Como o fato british, com riscas mais ou menos subtis, os sapatos de vela e as parkas (mesmo que se esteja a milhas do mar), o cabelinho penteado para trás ou de risca ao lado (evidenciando muitas vezes a calva — que os portadores tomam por testa longa — como se evidenciasse um cérebro grande), cobrindo as orelhitas por causa da geada ou dos zunzuns, encaracolando na nuca, o gel à Zezé camarinha, a gravata a toda a hora como yes men ou caixas de bancos. Há uma utilidade nestas opções, como havia no tempo de Napoleão: na guerra, identifica-se bem o inimigo pelo uniforme. É disso que se trata, uniformes de facção, fardas de funcionários. E não custa imaginar os mais zelosos das respectivas causas a marcharem como idiotas em levas ordeiras, obedientes, ao som do tamborileiro que lhes calhe.
Não tenho a sorte destes funcionários. Durante anos, o meu pobre guarda-fatos parecia o armário de quatro ou cinco tipos diferentes. As minhas manhãs eram como as de certas mulheres, só que eu gastava o tempo a decidir, não a aprimorar a maquilhagem. Nunca tive lá calças afegãs nem fatos de riscado, é certo, mas havia dias em que ao sair de casa poderia ir acorrentar-me a uma central nuclear e outros em que me deixariam entrar no clube mais restrito. Bem sei, isto pode revelar alguma confusão mental, indefinição, indecisão, incerteza. É verdade. As minhas certezas são poucas, e nenhuma a respeito de fardas. Ou antes, sobre isto uma certeza: não visto.