Esta não é uma arrogância nova, repete-se a cada geração ao longo da
história. Em certos espécimes envelhecidos, a falta de generosidade e o
egotismo vencem o sentimento de pertença e a curiosidade. A urbe é a certa
altura para estes pessimistas como as trezentas concubinas para o geronte Salomão
de A Cidade e As Serras: um serralho «ridiculamente
supérfluo». Mas, como diz Jacinto, não são exactamente as concubinas que se
tornam imprestáveis.
Talvez a literatura acabe, mas será por falta de leitores, não de
escritores. Se estes Schopenhauers (para nos mantermos na perspectiva do
Jacinto queirosiano) não estivessem publicados, se não tivessem sido lidos, se
mantivessem um mínimo de abertura e curiosidade em relação ao que se produz no
seu tempo, talvez vissem o problema pelo lado certo. A época não tem falta de génio
criativo — tem falta de público. Décadas antes, as pessoas eram postas no caminho
das obras, literárias ou outras. Agora, com conivência geral, as obras são
afastadas do caminho das pessoas, como obstáculos que impedem o avanço da
carroça.
Estes jubilados podem já não ter ânimo para ir admirar ou agitar as
artes — mas escusavam de ser tão prestimosos a promover o enterro delas. Escusavam
de pôr o seu prestígio ao serviço da actividade funerária.
*Ver Público de sexta-feira.