Nas noites nubladas, em particular naquelas de nuvens baixas, quase
névoa, o percurso fica razoavelmente alumiado, efeito do reflexo da iluminação
da cidade nas nuvens. E a noite é então ali um mundo levemente estranho, com uma luzência
avermelhada, como um dia de eclipse solar, uma insónia no Árctico ou em Marte,
assim surreal e acolhedor.
De todas as noites, a mais fascinante para a corrida nocturna é a de
Consoada, na hora em que as pessoas se estão a instalar para a ceia e deixam as
ruas desertas excepto nos largos onde ardem madeiros. Na Consoada, não se imagina
que andemos na rua, que desçamos ao parque. A margem do rio é o último sítio onde
somos esperados. Correr ali nessa hora é o mais próximo que se pode estar da solidão
adâmica ou do isolamento pós-apocalíptico. Quem quereria isso, não é? Quem quereria
experimentar uma ausência primitiva ou pós-civilizacional de seres humanos?
Na noite de Consoada, a vontade de correr lado a lado com o rio (e só com
ele) digladia-se em mim com os sentimentos filiais e fraternais que a quadra me
exige. E perde quase sempre — tenho isso a favor da minha humanidade.
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