Já fui um gajo de fé. Em rapaz acreditava no progresso. A televisão lá em
casa era a preto e branco, mas eu tinha a certeza de que mais tarde ou mais
cedo ela ia começar a dar a cores. Em certos filmes da minha preferência, os
céus iam azulando, adivinhavam-se já pontinhos de verde nas árvores, pinceladas
de vermelho nas poças de sangue. Era o aparelho a esforçar-se. Púnhamos-lhe a
mão e ele estava quente, com a febre de se colorir. Mesmo a desoladora areia
que em tantas noites de Inverno ocupava o ecrã em horário nobre amarelecia de
semana para semana, a caminho de ser um Saara tremeluzente.
…e O Cavalo de Turim
Ontem, enquanto via o filme O Cavalo de Turim, evoquei aquela
fé antiga. Era o meu espírito num contraponto entre a juvenil alegria da crença
na cor e a não menos prazerosa melancolia da escala de cinzas. Naquela fase, o
filme ainda hesitava entre o vazio do branco e a opressão do negro (não havia
outras escolhas). Depois toda a evocação cessou, a resistência era inútil,
desajustada: o filme rendeu-se definitivamente a um negrume formal e metafórico. E eu com ele.
eu escrevia, "a televisão a preto e branco".
ResponderEliminarlembro-me da opção do meu pai de comprar uma segunda televisão para a cozinha a preto e branco, já na era a cores (anos oitenta...), porque preferia os tons cinzentos às cores da realidade...