O miúdo
gostava do pai e da mãe. Eles não gostavam um do outro. Quando finalmente deram
o passo certo, o miúdo ficou triste como se diz da noite. Nos dias de custódia
do pai, ele informava-o de tudo ao contrário, ao falar de casa. No regresso,
fazia o mesmo ao apresentar o relatório do dia à mãe. Imaginava-se capaz de,
mentindo quanto ao que diziam os pais um do outro pelas costas, voltar a
uni-los. Depois pensou melhor. Quando eram uma família, o pai nunca o levava a
passear no parque, nunca jogava à bola com ele nem lhe comprava gelado. Não o
levava ao cinema nem se ria das piadas e das tropelias. Talvez aquele divórcio não
tivesse sido má ideia. Ao contrário do que diziam na escola, agora é
que ele tinha pai, mesmo que só de quinze em quinze dias.
Quilómetro 4
Duas miúdas ainda
com cara de anjos e roupas de marca macaqueiam sem inocência o andar e as
expressões de membros de um gangue. Detêm-se num cruzamento. Hesitam quanto ao
caminho a seguir. Uma delas sugere a esquerda, tem menos gente e mais árvores.
Vão de certeza fumar às escondidas.
Quilómetro 6
São um casal,
pouco mais do que adolescentes, fotografam-se e fotografam o parque inteiro.
Fazem poses. Escolhem ângulos. Demoram-se. Parecem sensíveis à beleza outonal.
Quilómetro 8
Um homem pára
o carro. Dir-se-ia saído de uma máquina de envernizar e de engomar. Os sapatos
pretos brilham, têm reflexos prateados, de tão novos. As calças, com um vinco
como um fio-de-prumo, e o blusão anguloso, de corte impecável, parecem adereços
de uma produção de moda. O bigode foi acabado de aparar, milimetricamente. O
cabelo, branco como farinha, ainda molhado do duche ou embebido em gel, tem
desenhados os riscos do pente, paralelos e direitos como carris na estepe
russa. O carro é um BMW e, apesar da propensão do dono para os alinhamentos
perfeitos, foi estacionado numa diagonal negligente, ignorando as marcas no
pavimento, ocupando dois lugares. À patrão, diz o povo.
Quilómetro 9
Lá estão de
novo as miúdas clandestinas, casacos pendurados na cerca de madeira, os braços
nus em Dezembro para reforçar o desafio façanhoso com que nos olham. Batem os
maços de tabaco na mão como vêem fazer aos mais velhos, forçando a saída de
mais um cigarro. Mal podiam esperar para o fazer. Mas, olhemos melhor: não é um
maço de tabaco. É o telemóvel. Talvez tenham vindo só passar a tarde no parque,
raios.
Quilómetro 10
O casal de fotógrafos
está agora à saída da última ponte pedonal a sul. Ele de joelho no chão, ágil,
ela a sorrir para ele, tímida e encantadoramente, nas suas calças sexy e inesperado casaco comprido. São
amorosos e sensuais. Mas depois ele fala, com voz grossa, grosseira, sotaque de
guna, «Tá quéta, caralho! Foda-se, tá quéta!», e o (meu) idílio acaba-se, não importa
como lhe responde ela.
Quilómetro 12
Último
cruzamento. O percurso transforma-se numa rampa em paralelos. Na esquina, duas
figuras, versões femininas de Dom Quixote e Sancho Pança. Cada uma delas tem a sua própria preocupação. A da frente, alta, magra, calções curtos
sobre meias pretas, pernas torneadas, camisola de gola alta realçando estrategicamente
o peito, diz que o problema são os saltos, que se enfiam nas juntas da calçada.
A outra, baixita e redondita, sapatos rasos, tentando acompanhar, diz que o
problema é a subida. E eu, esbaforido, concordo com ela.
Pois é, num mundo perfeito nada seria assim!
ResponderEliminarMas estamos em Portugal, não é?
E quem é que disse que fazer jogging sózinho é aborrecido?
Eu diverti-me imenso a lê-lo e até nem me cansei nadinha!
Saudações Periféricas.
Antonieta
Obrigado!
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