A ideia daqueles cronistas é fazer-nos notar como o povo continua
violento e selvagem, não estejamos nós por acaso distraídos. Mas não o fazem
como uma forma de denúncia, de censura do primitivismo popular, de acusação por
as instituições não estarem a melhorar a sociedade. Não insistem nisto para
apelar à mudança do statu quo, como
se poderia imaginar.
Não. Se os cronistas de direita acenam com o Correio da Manhã como sinaleiros de aeroporto é porque precisam de nos
acusar regularmente de não vivermos neste país, de não conhecermos o país. Não
importa que se cometam atrocidades em Portugal — o que é grave é nós ignorarmos
alguma delas, que alguma nos escape. Não importa quantas violações, quanta
violência conjugal, quantos roubos e assassinatos, quantos ossos partidos e
membros decepados — desde que possam culpar-nos por não estarmos atentos. O
grave não é o quotidiano ser horrendo — é nós pensarmos que ele pode ser
diferente e tentarmos viver felizes apesar dele.
Estes cronistas não invocam o Correio
da Manhã para nos lembrarem como o país é bárbaro e devia ser mudado. Fazem-no
porque querem que partilhemos o seu fascínio pelo sangue. E, sejamos justos, esta
vontade de partilhar até revela que há neles alguma coisa de bom.
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