Uma amiga recente anda a ler a Periférica e diz que, «carago, é como estar apaixonada por um namorado morto!». Gosto desta abordagem, pela boa-disposição e pela franqueza médico-legista.
O post «Expectativas»,
surpreendentemente popular, trouxe evocações da revista que um dia fizemos,
quando éramos jovens e tesos. É agradável recordar aqueles tempos, mas pouco
útil sentirmo-nos órfãos deles. Por definição, os órfãos não recuperam a progénie.
Que sentimento então?
A Periférica deveria ser uma
coisa para nos lembrarmos daqui a quarenta anos, em jantares de velhos
combatentes ou no lar, em robe e babete, se o alzheimer o permitisse.
Entretanto, deveríamos ser deixados em paz a escrever os nossos livros, a
plantar as nossas árvores, a fazer os nossos filhos, a casarmo-nos e a divorciarmo-nos,
a fingirmos que temos uma carreira útil. A Periférica
deveria ser o projecto que nos orgulharíamos de ter oportunamente morto e que
nos arrependeríamos tarde demais de não ter desenterrado, quando confrontados com o fracasso
das nossas vidas individuais. A hipótese necrófila não deveria ser posta uma década
apenas depois de o bicho ter visto a luz do dia, meia dúzia de anos após o
óbito. Quer dizer, desenterrar-lhe o cadáver agora pode trazer surpresas
desagradáveis, como haver ainda carne agarrada aos ossos, um corpo incorrupto
que certos fanáticos quereriam de imediato pôr numa vitrina e adorar
religiosamente, organizar peregrinações, criar uma seita.
De resto, uma Periférica é
coisa que se faz aos vinte ou trinta, e da última vez que olhei havia gente
dessa idade no país. Por favor, rapaziada, não nos façam passar pelo ridículo de
vedetas dos eighties a voltar aos
palcos. Não somos génios como o Morrisey. Somos o Cliff Richard, temos
vinhas para plantar no Algarve e exemplares da primeira edição para assinar. Não
estamos velhos, bem sei, mas temos pneus e colesterol. Uma dor aqui e outra
ali. Prenúncios. Ou preguiça, pronto.
Não, não estamos de novo a ficar jovens — mas estamos de novo a ficar
tesos, sem cheta, e isso é perigoso. Era agora que uma rapaziada qualquer nos
pedia para usar o nome da rosa, a cedência do título, o direito à criatividade
sob a égide periférica. Era agora que o país se surpreendia com outros pretensiosos zés quaisquer
que se punham a fazer uma nova Periférica
a partir duma moita na Beira Alta ou duma fraga em Melgaço. Agora. Antes que
fiquemos mais pelintras e isso nos dê ideias estúpidas. Antes que nos despeçam
e fiquemos sem nada mais útil para fazer. Antes que imaginemos que o nosso projecto para os
anos cinzentos que aí vêm é tirar a capa e as calças de lycra do armário, é encenarmos a noite dos mortos-vivos, é fazermos
o número 15 da Periférica — em vez de
algo com sangue fresco, algo que inclua bombas e atentados, por exemplo.
Talvez haja um projecto para quarentões lisos e desempregados, mas não
tem de ser o de zombies quebra-corações, não tem de ser uma ridícula reunion band. Ou tem?
:(
ResponderEliminarCarago! Podia ter sido eu!
...
E o resto, tirando a imagem pouco idílica ali pelo meio, é brutalmente bom.
Sois bom, carago! Que noia, logo um esquerdista radical, bolas!
Humpf...
:) obrigado.
ResponderEliminarEsquerdista radical é alguém que tem vontade de pôr bombas? oh, diabo que o PSR tem maioria absoluta.
porque não?
ResponderEliminarhá gajos com oitenta anos que se acham jovens... e ainda pegam na ideia e fazem a nova Periférica. :)
Isso é que era! :)
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