«(…) durante 30 anos de absoluta liberdade não
apareceram “actividades culturais” de qualidade e consequência: em 2012
continua a não haver teatro, dança, ballet e tudo o resto.» Vasco Pulido
Valente, in Público de 23/12/2012
No mesmo artigo em que reconhece que a cultura sempre viveu
financeiramente mal neste país, Vasco Pulido Valente é capaz de cometer a frase
tremendista acima e de afirmar que os produtores (culturais) «mais do que
merecem» a ausência de público. Público que, aliás, tem um manifesto
«desinteresse ou repugnância» pela «presença ou só o cheiro da Cultura».
Ora, é curioso que o anacoreta Valente, que reconhece a atávica alergia
tuga à cultura e o subfinanciamento da dita, não hesite, como sempre faz, em
culpar os produtores culturais pelo (suposto) fracasso das artes em Portugal.
Se não soubéssemos que a especialidade pulidiana são os raciocínios
mancos servidos com prosa gourmet,
talvez estranhássemos. Ou se não conhecêssemos a necessidade patológica que o arquétipo
do velho rezingão tem de considerar Portugal um esgoto.
Curiosamente, nem estou de acordo com a premissa de que a cultura tem
sido subfinanciada. Ou por outra: nos últimos dez anos houve orçamentos
simpáticos para a cultura, o que acontece é que, como aliás VPV também refere, em
Portugal a cultura é um chapéu de abas muito amplas. Tão amplas que tem sido
possível acolher na sua sombra com uma regularidade e um cachet impressionantes o cançonetista Tony Carreira e uma miríade
de epifenómenos.
Se não há público em Portugal para a cultura é porque aos portugueses
têm sido servidas doses maciças de imbecilização nas TVs, nas rádios e nas
escolas. Quase todo o espaço público português, incluindo a RTP e os artigos do
triste Vasco, está ao serviço da estigmatização das artes. Para os media nacionais, teatro em Portugal são
as comédias do sr. José Pedro Gomes. As comédias de J. P. Gomes (por vezes hilariantes)
já eram quase tudo o que a maioria dos portugueses suportava e quase tudo a que
a maioria dos portugueses assistia, mas a crise veio trazer uma súbita
necessidade de humor ao país. Os nossos concidadãos, néscios e carentes como
crianças órfãs, nunca foram encarados como seres inteligentes e interessados em
alguma coisa diferente da anedota, mas agora a anedota é também caridosa e salvífica.
Ainda ontem na Prova Oral da Antena 3, do sintomático Alvim, se reforçava esta
crença, à sua maneira, natalícia.
Pelo seu lado, as escolas, na senda dos programas televisivos de
talentos anónimos, estão mais apostadas em levar os meninos ao palco do que em
sentá-los na plateia. As escolas, corpos docentes inteiros, como as TVs, seguem
a ideia de que quem é capaz de gorjear uma cançoneta sem cair do palco é um
portento das artes. E estão igualmente disponíveis para incensar o talento
mimético e acéfalo. Na mesma medida em que, com honrosas excepções, estão indisponíveis
para fazer qualquer pedagogia ou ilustração, aliás o seu mester.
(As universidades não contam para a educação nacional; são geralmente inúteis
nesta equação das artes.)
E entretanto, ao contrário do que é apregoado no espaço mediático da
paróquia, as artes lusas recomendam-se vivamente. (Posso sustentá-lo com uma
lista, se alguém o desejar.) Concedo que seja necessário ir aos teatros e aos
museus para saber disso — mas as televisões, as escolas e a opinião pública,
incluindo a última página do Público
ao fim-de-semana, não sabem como se sentar calma, anónima, regular e atentamente
numa plateia. É este, e não outro, o drama das artes em Portugal.
há quem goste de estar sempre "fora do mundo" e pense que mundo cultural actual é o mesmo do Garrett ou do Eça, dai todas as comparações que adoram fazer.
ResponderEliminarfelizmente não é esse o nosso Portugal, mas temos mesmo de levantar o rabinho do sofá para o perceber...