quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Os albaneses

Vítor Silva Tavares, entrevistado para a Ler e falando dos seus ódios de estimação, refere a dado passo a figura dos albaneses, esses inimigos que temos de instituir para balizar as nossas palavras e as nossas acções, para que nós mesmos tenhamos mais sentido. (A ideia virá do livro A Tia Júlia e o Escrevedor, de Vargas Llosa, que não li.)
Um albanês não tem necessariamente de ser alguém que nos provoca antipatia pessoal, mas é em todo o caso um indivíduo que voluntária ou involuntariamente representa algo que detestamos e nos puxa pela língua.
No debate público nacional, os albaneses não são forçosamente pessoas concretas. A designação original pretende aliás remeter para um protótipo, uma categoria, uma abstracção. Um determinado indivíduo pode ser um albanês pela sua intrínseca capacidade de representar a espécie odiada, mas albaneses podem ser (e são-no demasiadas vezes) apenas uns fantasminhas modelares que dão jeito para o tipo de discurso que queremos proferir, para o tipo de ideias que queremos defender.
Convém estar alerta para os perigos que o abuso de albaneses acarreta. É preciso perceber que a albanização do debate cria uma realidade artificial. Quando de um lado e doutro das questões os contendores apenas argumentam contra os seus albaneses, na verdade não argumentam contra ninguém — ou deixam de fora do debate as pessoas moderadas, sensatas, capazes de verem os prós e os contras das coisas, de verem os erros alheios e reconhecerem os próprios.
Os jornais e os blogues estão cheios de gente que, infelizmente sem talento queirosiano, se dedica a ridicularizar o adversário ou a estigmatizá-lo, pondo em prática uma ancestral e desleal forma de desvalorizar argumentos. Ora, quando isso não cumpre a função de nos entreter com qualidade literária, limita-se a dar corpo à expressão «diálogo de surdos».
Na magna questão da crise é assim que acontece: há uma catrafiada de gente a discutir com as suas caricaturas, a esmurrar os seus imaginários sacos de boxe, e a deixar desolados e sem interlocutor os cidadãos moderados que sobram. E são os moderados que podem salvar o país.

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