De resto, toda a veleidade castrense que pudesse ter tido quando
cheguei a Elvas se esgotara no momento em que, na primeira ronda nocturna enquanto
sargento de dia, me deparei com um algarvio em alvos calções e alva camisola de
alças a dormitar no seu posto, encostado à G3. Eu tinha acabado de chegar de
Mafra, devidamente formatado, e senti um ligeiro escândalo com aquilo. Na
Escola Prática de Infantaria — EPI, mais conhecida como “Entrada Para o
Inferno” ou “O Calhau”, atendendo a toda a quantidade de pedra que ali se
juntou por ordem de D. João V — tínhamos sido ensinados que jamais se pegava
numa arma quando em trajes de ginástica (ou de ballet, na delicada gíria militar), pelo que antes de me interrogar
porque estava uma sentinela vestida daquela maneira pensei em admoestar o
soldado por ter trazido a G3. Na minha hierárquica concepção da etiqueta militar,
a combinação dos adereços parecia-me mais importante do que a adequação do
traje.
O militar, com sonolência de veterano, ofereceu-me uma passa do seu
charro e explicou-me duas coisas, ali no jardim sob o luar e as janelas da
messe de oficias: o calor alentejano não contemporizava com o código de
vestuário do Exército e um pescador como ele não estava propriamente
desesperado para regressar à faina, aguentava bem os meses extra que, como
paga da sua conduta, lhe
quisessem oferecer na paz suave das muralhas de Elvas, assegurada que estivesse
a comida, a cama lavada e, claro, o comércio com Badajoz.
Na tropa aprendia-se com os mais velhos e, se não passei a fazer as
minhas rondas em calção, chinelo e Walter à cinta, foi porque descobri que
aquelas horas de serviço se passavam melhor a dormitar no imponente cadeirão de
alto espaldar e couro, quase um trono, que havia na casa da guarda. Por outro
lado, se não aprendi a apreciar as prorrogações do serviço militar tal como ele
se desenrolava em Elvas foi porque era jovem e estúpido e achava que a vida
tinha muito mais para me oferecer.
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