Se quisermos estar suficientemente fodidos com os tipos que têm disposto
do país nos últimos vinte ou trinta anos, podemos decidir encontrar um certo
tom nazi na pergunta. Como se ouvíssemos uma das questões burocráticas que Himmler
punha a Rudolf Hoess.
Claro que o economista na mesma passagem invoca Keynes e isso é suposto
ilibá-lo de qualquer deriva neoliberalista. Sabemos que é melhor ter a classe
média ocupada do que a remoer insatisfações, mas duvido que obrigar
desempregados a limpar matas caiba no conceito de apaziguamento social.
É possível que estejamos no limiar de uma situação como a que se viveu
no pós-guerra, onde a civilização se suspende e as pessoas lutam para
sobreviver, regressa a agricultura de subsistência, quem sabe se a velha
condição de caçador-recolector. Posto perante essa circunstância, o povo agirá naturalmente
em conformidade, não precisará de velhos senadores a indicar-lhe o caminho: tem
todo um genoma a exigir-lhe que sobreviva.
Há na ligeireza com que os poderosos se referem aos desempregados, ao
cidadão comum, uma ressonância inadequada de nobreza velha ou velha
aristocracia. Inadequada, entre outras razões, porque do outro lado do espectro
não está uma massa bruta, medieval, sem educação nem anseios ou ambições, resignada
à miséria e à inferioridade desde o nascimento. Os tipos que, na sua patética sobranceria,
se dispõem a falar de milhões de pessoas como se falassem de crianças
irresponsáveis ou de velhos servos da gleba deviam, em primeiro lugar, questionar-se
se a sua carreira, o seu trabalho, o seu mérito (no caso de terem algum)
justifica sem hipocrisia que aufiram vencimentos ou reformas equivalentes aos
de 50, 100, 200 homens ou mulheres em idade laboral. Numa república não deveriam
existir os privilégios “naturais” que uma casta, não raro incompetente e perdulária
(a crise não começou em 2008 vinda do nada), parece ter. Na Suíça, tão
reverenciadora do capitalismo e mais distante da crise do que nós, há uma
maioria de população favorável a que se limitem as diferenças salariais nas
empresas de modo a que o vencimento mais alto não seja mais do que 12 vezes
superior ao mais baixo. E isto, que parece minimamente sensato e digno em
qualquer circunstância, transforma-se numa urgência quando se vive o drama que
vivemos em Portugal. Nenhum Salgueiro ou Borges deveria poder recitar a sua opereta
sem antes ter sido aproximado da plebe pela via (da deflação) salarial. Não se
trata apenas de justiça. Há alguma profilaxia nisto. Quanto menos homens
couberem no salário desta gente, menos hipóteses haverá de encontrar nesse
conjunto um que se sinta suficientemente indignado ou desesperado para achar a
Lei de Lynch uma forma sedutora de reduzir o défice nacional.
Talvez o confisco dos ricos não chegue para pagar a crise, mas quem
sabe não lhes inspira melhores contributos para a economia geral ou, pelo menos, os mantém num respeitoso silêncio.
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