Inscreveu-se não para se divertir brincando aos atletas — integrando-se
nos que apenas participam solidariamente, pela causa ou pela saúde, e desistem
antes do fim, gozando com a própria baixa forma —, mas como consequência
natural do treino, da necessidade de correr. E da recomendação do psicanalista,
que, talvez por defeito de diagnóstico, viu virtudes na sua dedicação ao
desporto. Embora não tenha exageradas ilusões quanto às suas capacidades de
atleta, está decidida a competir, a disputar um lugar honroso. Ter objectivos
destes é bom para si, é-lhe dito. E é tudo o que lhe resta, pensa com amargura.
O percurso, que sai do perímetro rural da cidade e termina na praça do
município, há-de atravessar o parque onde ela treina. E esse momento será o
derradeiro teste. Estará, quinze quilómetros depois, suficientemente motivada
para chegar à meta numa boa posição e ficar feliz com isso? Ou a passagem pela
entrada da ponte gorará todo o trabalho motivacional e ela regressará ao ponto
de partida sem concluir a prova?
Ouve-se o apito e ela sai, primeiro num passo saltitante que não
avança, aguardando que o grupo se distenda e os amadores abram alas, e depois
alcançando progressivamente um ritmo que a mantém na peugada do pelotão de
profissionais. Corre a primeira hora junto ao rio, numa zona onde ele já ganhou
caudal e largura, e os seus pensamentos vão frequentemente mais rápidos,
vogando contra a corrente, até ao local do desencanto. À chegada ao parque,
contudo, mantém-se próxima da cabeça da corrida sem acusar demasiado o
desgaste, e isso fá-la acreditar na possibilidade de ficar entre os primeiros
(pelo menos entre as primeiras). É a
única alegria em muito tempo. Talvez possa haver outras razões para se correr.
Para se viver. Põe pela primeira vez toda a energia e concentração no esforço
de chegar à meta. Passa pela ponte sem consciência total de passar por ela. Na
praça, há uma outra multidão à espera dos atletas. Familiares, amigos,
curiosos, imprensa. Há ovações quando chegam os vencedores da prova e, não
muitos minutos depois, há ovações quando ela conquista o terceiro lugar do seu
escalão.
À sua volta vê sorrisos e entre os sorrisos está o dele. As pessoas
batem palmas, e ele bate palmas. Bate-lhe
palmas. Há outros conhecidos a bater-lhe palmas, divertidos e vagamente
orgulhosos da sua façanha, mas é a ele que ela se dirige, meio entontecida com
o cansaço, vivendo a alucinação de o ver aplaudi-la e sorrir-lhe. Numa imitação
de outros atletas, quer abraçá-lo, lançar-se-lhe ao pescoço, partilhar a sua
felicidade, que já nem sabe muito bem qual é, mas ele intercepta-lhe as mãos a
meio do percurso, oferece resistência e por momentos são a figura viva da
terceira Lei de Newton — e naquele braço de ferro ela pondera o triatlo.
P.S. Terceira parte de uma
narrativa, que depois de revista a segunda parte, se poderia chamar
“Uma carreira no desporto”, ou algo parecido.
Sem comentários:
Enviar um comentário