Hoje pousou-me uma pomba no peitoril da janela e, como eu tinha acabado
de sair do duche, suspeitei que o fez intencionalmente. Imaginei-a, lubrica, a
espreitar-me enquanto me vestia. Ao dar com ela, encolhi a barriga e tentei
mexer-me pouco — mas ela resistiu, não se mandou contra o vidro na ânsia de
entrar. Também não se mandou abaixo do parapeito, o que me confortou o ego,
antes um pouco melindrado com a sua resistência.
De seguida estiquei-me cuidadosamente para apanhar o cinto e ela abriu
as asas e lançou-se atabalhoadamente nos céus. Ainda considerei aquilo muito
humano, mas de uma humanidade diferente: de criança antiga, traumatizada com
sovas paternas pré-revolução. Ou de jovem mulher que não lê As 50 Sombras de Gray e desdenha por
isso os prazeres sado-masoch.
Devia ter considerado não usar cinto hoje.
pois...
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