Era uma rapariga alegre e não dava grande atenção ao guarda-roupa e ao
aspecto do cabelo. Tinha um défice de auto-estima ou não a sensibilizava a
questão (ele nunca percebeu bem). Achara a simplicidade ou a falta de empenho no
visual de certo modo amorosas, embora não fosse um entusiasta do género
descuidado. Depois de começarem a andar juntos é que ela foi introduzindo
pequenas mudanças nos seus hábitos, preocupações estéticas. Um dia um casaco,
no outro uns brincos, uns saltos altos, no seguinte um vistoso eyeliner, umas madeixas. Idas regulares ao cabeleireiro eram a última novidade.
Ele tinha apreciado o ímpeto de mudança, sentia-se lisonjeado com o esforço
dela, embora nem sempre concordasse com as opções. Poucas vezes, na verdade.
Nos últimos tempos sentia um mal-estar quando estavam juntos. Era um
sentimento difuso, intangível, algo que pairava no ar mas simultaneamente físico.
Preocupava-o não conseguir identificar as razões.
Quando ao fim de uns meses a lista de espera no hospital lhe permitiu a
septoplastia que fora considerada urgente, correu ao encontro dela com uma alegria
especial. Uma fase da sua vida tinha sido suplantada com sucesso e afinal nem
tinha custado muito, embora ainda usasse com incómodo os tampões nasais.
Livrou-se finalmente deles uns dias depois e pôde de novo cheirar a vida e o mundo, agora com uma acuidade de que já não se lembrava. Vestiu-se com algum cuidado para o jantar dessa noite.
Livrou-se finalmente deles uns dias depois e pôde de novo cheirar a vida e o mundo, agora com uma acuidade de que já não se lembrava. Vestiu-se com algum cuidado para o jantar dessa noite.
Mal se sentou à mesa — aliás, ainda antes de se sentar à mesa com ela —,
percebeu qual era a razão do seu mal-estar. A namoradinha, naquele seu processo
de auto-confiança ou vaidade, começara também a usar perfume, com a sua simpatia,
mas só agora, com as vias desobstruídas, ele podia perceber como era atroz o
gosto dela. E não era apenas uma questão de a fragrância ser horrorosa, escolha
de fã do Tony Carreira. Era a quantidade daquilo. A namorada, ao que parecia, tomava
banho de imersão em perfume contrafeito. Devia investir uma fortuna por mês nos ciganos ou lá em quem lhe vendia os frascos.
Aguentou uns minutos à mesa, indeciso entre falar-lhe dos benefícios de
uma septoplastia mesmo para as pessoas comuns ou ser mais directo quanto à
questão. Optou por pagar discretamente a conta, mesmo que não tivesse ainda
provado a sapateira, e informá-la falsamente contristado que tinha conhecido
outra mulher.
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