quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Diário de fim-de-ano (3)

Falando em horas extra, o mesmo monge-fantasma poderia já agora descer à Rua Infantaria 15 pelas sete da tarde que teria trabalho a fazer. As badaladas de um sino, quando coincidentes com a hora de fecho seja do que for, têm nos portugueses o mesmo efeito automático da sineta de Pavlov, e os espécimes em estudo nem sempre são aqui cães, ou sequer funcionários públicos. A mesma urgência de partir, a mesma antipatia e a mesma estupidez podem ocorrer em estabelecimentos privados. O visitante pode ser igualmente instado a despachar-se por um proprietário particular, e se quiser pagar as suas compras depois da sétima badalada pode receber como resposta a informação de que o multibanco já está desligado, sem que lhe seja proposta uma forma alternativa de pagamento. “Já fechámos, já passa das sete” (sim, já quase não se ouve o eco da última badalada), e isso justifica a expressão sobranceira, vingativa, vitoriosa da dona da loja de artesanato. Os turistas entreolham-se, desolados, intrigados, e deixam a mercadoria sobre o balcão, partindo convictos de que a senhora terá outras fontes de rendimento. De qualquer modo, como a loja até tem produtos de interesse e paira uma certa frustração no ar, os turistas partem também desejando cruzar-se com o monge que, descendo do Convento a chocalhar os ossos, virá por justiça transformar as noites da lojista num pesadelo.

Sem comentários:

Enviar um comentário