«Andámos
meses para marcar um jantar e nunca o conseguimos. Quer dizer, temo-nos
encontrado aqui e ali, alguns de nós até assiduamente. Três trabalham juntos.
Mas marcar um jantar em que todos pudessem ou quisessem estar foi uma
impossibilidade. Jantámos quatro dos seis arregimentados. Não foi mau. Quase
70%. Houve quórum. Maioria qualificada. Quase mudámos a Constituição.
Meses
antes, numa conversa de bêbados, dois de nós desataram a chorar ao balcão que
era uma tristeza que não se tivesse feito mais nada depois «daquilo». Havia uma
crise e falências e encerramentos e um recuo como nunca víramos. Agora é que «a
coisa» fazia sentido. «A coisa» ou um sucedâneo que não envergonhasse. De
resto, era notável como nos últimos tempos se vinha invocando o nome da «coisa»,
velhos seguidores nostálgicos que se davam a conhecer e gente nova que a
descobria com espanto. Naquela noite, os dois despediram-se com abraços
apertados, ranho no nariz e promessas firmes de pensar em alguma… coisa. (Não
havia muita imaginação disponível nem para substantivos.) Depois foi cada um
para sua casa, tentando não cambalear demasiado, e nas semanas seguintes
espalharam a Boa Nova.
Houve
então conversas ocasionais, alargadas e entrecruzadas (e muito espaçadas), onde
os argumentos contra eram sempre mais fortes e sensatos. Mas nem assim a ideia
se desvaneceu, como mandava a inteligência. Quando um desistia, outro insistia,
num dilatado processo de contrabalanço que poderia muito bem ser representando
por aquela cena famosa da ginástica sueca no Pátio das Cantigas com
Vasco Santana e Ribeirinho. Cómico e ridículo dessa maneira.
Uma
das últimas tentativas de esconjuro foi escrita como uma súplica no blogue Os Canhões de Navarone—
e teve o efeito contrário. Aumentou a pressão para jantar.
O
repasto teve então lugar e o mais relevante da noite foi ter-se descoberto que
alguém agora conduzia um Qashqai. À mesa, além do proprietário do SUV, havia um
recém-licenciado em Línguas-Literaturas-&-Mais-Qualquer-Coisa, um
engenheiro com delírios de designer gráfico e um antigo
baixista de arraiais populares. Fez-se um jogo que consistia em escolher os
cinco nomes menos maus de uma lista de trigésimas escolhas. A aposta era
elevada. Foi então que a montanha pariu um rato. Tanta evocação, tanta
assertividade e tanto vinho para isto a que o leitor agora chegou: à sobremesa
estava decidido que em sucessão da coisa Periférica, como sói
acontecer com as vedetas rock, se faria um reunion blog e
algum alarido à volta dele. Um tédio, portanto. (O nome pode não ser brilhante
mas é eloquente.)
Iniciação
ao tédio é
então um blogue que, não correndo mal, reunirá as composições individuais dos
antigos membros dos Duran... da Periférica espalhadas pelo
Facebook, pelos blogues Divina Comédia,Grafismo
Sem Rede e Os Canhões de Navarone, ou pelo espaço
aéreo nacional. Correndo bem, Iniciação ao Tédio fará isso e
porá no activo os mais adormecidos dos bandmates. No mínimo, o
leitor poupará alguns cliques se quiser seguir regularmente os blogues
mencionados. (Um contributo nosso para a prevenção de tendinites no indicador,
esse flagelo moderno.) No máximo, assistirá ao prelúdio de algo que lançará
sombras sobre a Granta que o Carlos Vaz Marques prepara sem
contar connosco. Não nos falta ambição, como se vê, apenas noção do ridículo e
força para sair do sofá. De onde, de resto, se vê distintamente a cidade e os
portuguesitos a correr de um lado para o outro na sua azáfama, como ilustra a
imagem do cabeçalho. Será particularmente para eles e sobre eles este blogue
vermelhusco. Desfruta, nobre povo.
P.S.
Convém frisar que, como o nome indica,
se trata apenas de uma iniciação ao tédio. Para tédio mais
desenvolvido, há que procurar outras moradas.»
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