Na verdade, o meu amigo e eu concordávamos na grande maioria dos
argumentos. Era aliás ele quem mais pessimista estava em relação às políticas
de Passos Coelho, na medida em que é por natureza pessimista quanto ao futuro
da Europa e do Ocidente. De Medina Carreira, apreciava, mais do que tudo (percebe-se
porquê), o tom tremendista e apocalíptico — les
beaux esprits se rencontrent.
Pelo meu lado, se via pertinência em afrontar o meu amigo e o governo
PSD/CDS não era porque acreditasse sem hesitações em alternativas, ou numa
solução indolor. Era também, reconheço, para me confortar, escolhendo como os
religiosos o diáfano para apaziguar os dias.
Mas fosse como fosse, tinha as minhas ideias. Não acreditava que um
plano de reforma radical funcionasse num prazo tão curto. Como todas as pessoas
sensatas postas perante a verdadeira dimensão do problema (que curiosamente as instituições
financeiras e políticas, com raras e individuais excepções, foram estimulando e
ocultando nos anos anteriores), estava disponível e sabia que eram inevitáveis
sacrifícios, perdas de rendimentos. Mas achava que uma reforma do Estado capaz
de enfrentar eficazmente a dívida e o défice precisaria de uns dez anos e que a
Europa tinha sido mesquinha e estúpida em não criar condições para isso.
Foi pois com um ar trocista e de vanglória que enviei hoje ao meu amigo
a notícia que cita Medina Carreira defendendo que «o tempo de aplicação do memorando deveria ser estendido a seis anos»,
caso contrário vamos «dar um estoiro com esta austeridade». Digo que o meu ar
era de vanglória porque conheço
o meu amigo: não concederá mérito à minha antiga intuição nem acreditará numa
extensão do prazo — vai é rejubilar com a expressão do jurista. «Dar um estoiro»
é também uma expressão sua frequente em relação ao país, e vê-la elevada a
título premonitório é algo que decerto vai excitar a sua morbidez.
E isto leva-me a desconfiar que morbidez é também patologia de Vítor Gaspar.
E isto leva-me a desconfiar que morbidez é também patologia de Vítor Gaspar.
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