Altura da
poda. O homem novo, talvez numa ocupação de férias natalícias, usa uma escada
de metal reluzente e, por vezes, uma tesoura com uma extensão que lhe permite
trabalhar a partir do solo. O idoso sobe para os galhos por uma velha escada de
madeira camba e, em equilíbrio vertiginoso, apara os ramos com a clássica
tesoura preta que também se lhe vê nas mãos em época de vindimas. Há a história
do velho, o rapaz e o burro, mas é inadequada. A partir de certa idade, a poda
é uma questão pessoal. O velho mais depressa treparia a oliveira, como quando
em rapaz ia aos figos, do que usaria a escada nova e a ferramenta fashion do filho ou genro. É este que
precisa dos apetrechos e das luvas do Mestre Maco. As mãos do velho estão
calejadas, e subir a pulso a árvore da vida fará parte do seu quotidiano até ao
último dia na terra. Vive enquanto a pode subir, morrerá de não a poder subir.
2. A vil existência
Pouco depois
das quatro da tarde ocorrerá o pôr-do-sol. Embrulhados nos seus kispos e forros
polares, os caminhantes cumprem apressados a prescrita hora ou hora e meia de
marcha junto ao rio. Os amantes da corrida fazem desfilar calças de licra,
gorros e mp3. Ela usa calções de perna comprida e justa e uma sweatshirt larga. Numa curva, a última
curva antes de a sombra estender por todo o lado o seu manto irrevogável, ela
tem a intuição do fim da luz e detém-se. Abre os braços, levanta o rosto ao
deus-sol e sorri. É bom estar viva, apetece abraçar o astro. Cinco segundos de
carícia e alheamento, e ei-la de novo num trote firme, o sorriso agora
embaraçado, talvez por a vil existência ter regressado nos olhares dos
transeuntes, que tentam encontrar-lhe no rosto sinais de um espírito débil ou
excêntrico.
3. Encruzilhada
Vestidos com
as prendas de Natal — casacos Lanidor e Massimo Dutti, calças Tiffosi ou da
Salsa, peúgas e roupa interior a expensas rituais de tias idosas —, passeiam no
parque o carrinho de bebé. Com uma criança dentro, deduz-se, não se vê. Eles
também não a vêem: ela senta-se num banco a olhar um ponto fixo, talvez do
passado, ele fica de pé a observar o trânsito de famílias e casais. Ambos com
rostos graves, diferentes do cliché de uma tarde bonita no parque. Entre os
dois, o carrinho. Estático porque o terreno é plano — ninguém o segura, jaz por
instantes abandonado, troféu de um jogo de forças em que possivelmente fica com
o prémio quem perde. Talvez numa parte dos seus espíritos apetecesse que o
carrinho começasse a deslizar para fora das suas vidas, pudessem sair dali cada
um por seu trilho do parque, desejando esquecer que um dia estiveram numa
encruzilhada. Mas um deles há-de voltar a empurrar o carrinho, provavelmente a
mãe, mesmo que seja para seguir o seu próprio caminho. Ou as catorze estações
do Calvário.
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