Nem mesmo na paisagem topograficamente benévola do Alentejo as ondas
rádio logram chegar a todo o lado. Com os quilómetros na estrada perde-se por
vezes a sintonia da estação que se está a ouvir em prol de um veículo de regionalismo.
Sabemos que estamos a ouvir uma rádio local pela música pitoresca ou foleira, pelo
sotaque não lisboeta mas mimético dos
apresentadores ou pela publicidade, também ela uma irritante imitação de
irritantes fórmulas. Geralmente processamos esta informação em dois segundos e,
se não nos toma um impulso antropológico, os dedos mexem-se rápido na busca de
uma sintonia mais favorável. Nunca garantida, mesmo que captemos claras e
intensas todas as frequências da urbe.
Há um vago sentimento de invasão de privacidade quando na rádio local
ouvimos certos programas de conversas com os ouvintes. A familiaridade entre
locutor e audiência e a particularidade dos assuntos deixam-nos à porta, ligeiramente
ruborizados ou soltando gargalhadinhas, travessas ou complacentes.
Na noite de quinta-feira falava o Dr. X — voz suave, tímida, de
seminário ou sacristia, com nuances pedagógicas de psicólogo hertziano em turno
de noite —, não contraditoriamente rodeado de risadas femininas. Estas eram simultaneamente
domésticas e provocadoras, hesitando entre o à-vontade da sala de estar e a
cumplicidade do recreio ou a excitação transgressora do território novo. O
telefonema era de uma senhora, provavelmente amiga ou conhecida das que estavam
no estúdio. Antes de desligar, passou ao marido, que tinha uma pergunta a
fazer. Ouviu-se o chamamento e o marido veio de lá de dentro, a voz jovial em
crescendo enquanto passava do corredor para a sala ou para a cozinha. Ele
queria saber se o auditório já tinha a resposta para a adivinha da semana.
Percebeu-se que o fazia semanalmente, telefonar a propor uma adivinha — um
colaborador voluntarista, certamente não assalariado, dos media locais. A pergunta tinha sido para todo o auditório («Qual é
a primeira coisa que um homem faz ao levantar-se de manhã?»), mas as senhoras
em estúdio — talvez de um grémio cantante, etnográfico — tomaram conta dela. E
durante o resto do programa, dez, quinze minutos, o locutor, um Júlio Machado
Vaz ou Carlos Amaral Dias da planície branca, viu-se afastado do microfone. Lamentavelmente,
já que as tentativas de resposta das senhoras — o burburinho, os apartes, a
perda de pudor, o refustedo — eram claramente matéria excitante para um
qualquer discípulo de Freud.
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