terça-feira, 24 de julho de 2012

Diário de férias (2)

A permeabilidade de muros que instala o Goucha nas minhas manhãs de Verão é a mesma que me põe a escutar conversas de um casal de velhos. Neste caso, a intromissão é minha, embora não seja minha a culpa — apenas queria terminar o Martin Amis em paz e silêncio.
Durante uma parte do tempo, os velhos não conversam — retorquem com impaciência, admoestam, resmungam. Falam por monossílabos e imprecações, com muitos hãs? pelo meio. Imagino-os prisioneiros um do outro no pátio da penitenciária que eles próprios construíram, esquecidos da razão porque ali se encontram, reclamando vagamente, mecanicamente, contra as paredes, o carcereiro, a pena.
Mas talvez o que me parece uma latência rancorosa mútua não passe de surdez gerôntica e consequente exasperação. O que agasta os velhos pode ser a sua própria insuficiência auditiva e não a presença odiosa do outro. Quem sabe se as suas imprecações, por vezes em solilóquio, não se dirigem apenas ao absurdo da biologia e da natureza? O mundo real não tem de ser tão ressentido, pessimista e deprimente (ainda que cómico) quanto o de Money. Pois não?
Claro que se temos de ler livros assim, não é imprevidente fazê-lo num alpendre alentejano, com o lado brilhante da vida a um passo da cerca, ali, na seara onde passeiam ovelhas.

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