O meu velho de Verão, talvez reagindo a um estímulo semelhante ao de Marco
perante um tipo enfronhado num livro, deu uns bons-dias traquinas do seu lado
do muro, mostrando pela primeira vez uma careca suada e alvacenta onde pousou
depois uma boina em padrão de xadrez. Como o troco não foi famoso pela
generosidade, ele saiu a resmungar para outro lado, creio que em busca da sua pobre
Maria da Conceição.
O passeio da tarde tinha vaga esperança em abetardas ou grous. Não se flana
no Alentejo como no Chiado se se alimenta uma mínima paixão de ornitologista.
Vai-se atento às bermas e às ondulações da paisagem, às linhas de electricidade
e aos postes telefónicos. Pára-se sempre que uma sombra não parece
suficientemente estática. E por vezes acontece. À margem do caminho lá estava
uma silhueta que tanto podia ser um calhau de costas para o sol como uma sorte
maior. Para minha alegria, os calhaus não costumam dar pequenos sacões com o
pescoço, e as galinhas, que os dão, costumam ser bem mais pequenas e estar mais
próximas das povoações.
Não era ainda uma abetarda (lá virá o dia), mas era um belo, gordo, raro
— e careca — abutre-negro. Mirámo-nos
durante um bocado na planície amarelecida e seca, como pistoleiros num duelo ao
pôr-do-sol. Ele teria aliás esse ânimo (legitimamente, depois de importunado
por um curioso de calção e boné). Eu, se ele me deixasse chegar suficientemente
perto, abraçá-lo-ia.
Mas, antes que lhe pudesse afagar a careca, o rapaz levantou voo,
pesadamente — e com ele todo um bando de calvinistas que se acoitava atrás do
morro.
* Martin Amis, Quetzal.
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