quarta-feira, 25 de julho de 2012

Diário de férias (3)

Dos meus dois velhos de Verão, é o homem quem mais resmunga e coage e insulta, o que nas relações humanas não é propriamente uma novidade. Mas, outro lugar-comum, creio que também é ele que mais precisa da relação. Sem a mulher, estaria perdido, teria talvez uma não-existência decorativa em bares e tabernas. A companheira que aparentemente o agasta é na verdade o elemento que lhe permite viver a fantasia que vive. A sua ausência tornaria ainda mais injustificadas e ridículas as suas fúrias e remoques, esvaziá-las-ia ainda mais de sentido e proporção. De que outro modo poderia ele justificar para si próprio as suas tiradas pedagógicas, a pretensa sabedoria de vida, a suposta autoridade quanto às minudências do quotidiano? Como poderia ele indignar-se senão consigo próprio e com a sua necessidade de afirmação? Quem mais perderia um minuto a ouvi-lo e a ouvir as suas bravatas, a virulenta manifestação dos seus complexos freudianos, sem virar costas girando um metafórico indicador na testa ou, digamos, sem responder com um sopapo nos olhos?

A senhora senta as suas carnes pelo quintal olhando com majestosa indiferença o correr dos dias e a errática azáfama do cônjuge. Ela parece integrada na paisagem de corpo e espírito, possuída de ciência e paciência antigas, como uma esfinge auto-justificada. Ele sai de casa tomado de irritação e regressa com novo ânimo implicante. Pelo meio talvez tenha tratado das ovelhas, regado alguma horta, sido útil e feliz, mas sem o saber. Ou sem o reconhecer. Ela recebe-o como a um cachorro particularmente histérico, com as mesmas respostas e insultos formatados aos seus latidos maçadores. Far-lhe-á o jantar — não se deixa morrer à fome a mascote, mesmo que ela seja francamente o oposto de um cão de companhia. 

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