Não há como viajar pelo país para constatar a admirável difusão da estupidez. Nenhuma empresa de comunicações se pode gabar de ter uma cobertura tão extensiva. Por vezes, chegamos a uma zona montanhosa, a um bosque mais cerrado ou a uma longa planície desertificada e ficamos sem sinal no telemóvel. Mas bastam poucos instantes para nos darmos conta que, ali onde as ondas electromagnéticas não chegam, chega a estultícia. Não há fauna ou flora que ocorra com tanta frequência e regularidade na geografia nacional; nem o prolixo, adaptável e para muitos asqueroso rato é tão comum quanto a idiotice.
Isto a propósito de música e piscinas. O viajante, sequioso e derretido, entra numa povoação e, antes de querer saber de factos históricos ou etnográficos, pergunta desesperado pela piscina do município. Não há curiosidade cultural que se imponha a um céu sem nuvens e temperaturas superiores a 30 graus. De qualquer modo, a forma como uma comunidade se banha, as cores e modelos dos seus calções e biquínis e o jeitinho que tem para se revirar ao sol são dados importantes para o conhecimento etnológico.
Não tanto, infelizmente, quanto a música que se põe a tocar numa piscina.
De norte a sul, as piscinas são o prolongamento diurno e com excesso de cloro de discotecas. Mas não discotecas que usem um som universal, abrangente, transversal a classes e gerações. Não discotecas sensatas no volume e apuradas no gosto. Não. Apenas discotecas dedicadas ao franchise idiota e minimalista das «batidas graves e ensurdecedoras», para usar a definição entusiasta de um jornalista do Público (entre aspas).
Pensa o viajante que o jazz vai bem com água fresca e guarda-sóis? Pensa mal, o esquisito. Bossa nova ou, vá lá, algo caribenho? Nãããã. Um pop/rock sem data? Cota.
O cardápio é simples, tão simples (ou elementar; ou básico, no sentido que a tropa dava ao termo), tão simples que mentes distraídas como a do viajante acreditariam se lhes dissessem que durante a tarde toda apenas uma faixa do CD tinha sido posta a tocar (quando na verdade teria sido toda uma exaustiva e, hum…, complexa, discografia de uma época). O cardápio é e só o prato do dia, de todos os dias e meses do ano. O prato do dia que alimenta um par de gerações como as piores indústrias alimentam porcos – com a diferença de que as «batidas graves e ensurdecedoras» não são um equivalente a ração para engorda, ainda que deixem o utente com o mesmo olhar e curiosidade intelectual de um chouriço espanhol.
Não há espaço para devaneios sonoros nas piscinas nacionais. Não há espaço sequer para relaxar, aliviar stress, dormitar sonhadoramente. O banhista simplesmente tosta ao sol com os pensamentos ao nível adequado (e ali generalizado) dos de um frango de aviário (posto no churrasco) ou dá umas braçadas tentando não seguir o ritmo frenético da banda sonora se quiser chegar sem distensões musculares à noite. Mais sensatamente, o banhista fecha o livro (que por razões insondáveis e também elas estultas julgou poder ler) e foge em pânico para o mais próximo charco de água da chuva que tenha sobrado do Inverno (vulgo rio ou barragem de difícil acesso).
Para ser justo, o viajante terá de referir que nem todas as piscinas são geridas como coutadas exclusivas de adolescentes duros de ouvido ou imbecilizados pelas drogas. Há um ou outro tanque onde o público adulto é bem-vindo – sobretudo se tiver acabado de chegar de França para arejar a sua maison sazonal. Tony Carreira e respectiva prole fazem-se ouvir de vez em quando. E também um tipo atento ao zeitgeist económico que canta «já não há papel nem para o WC». E outro que refere (com excitação científica ou enternecimento humanista, não percebi bem) uma qualquer patologia anatómica de um certo buraco que, «coitadinho», apenas serve para urinar.
Nesta altura o viajante tende a partilhar com certos concidadãos de longas barbas e trajes andrajosos que encontra pelo caminho uma visão apocalíptica do mundo. Para distrair, lê o jornal, e encontra então a definição acima citada da actual música de discoteca. Lê o jornal e, enquanto procura o ramo mais alto e resistente de azinheira para deitar a corda, constata que mesmo os festivais de Verão, como o da Zambujeira, já não têm as bandas como «força motriz que faz avançar a máquina». A força motriz, ao que diz o excitado jornalista, é cada vez mais a das «batidas graves e ensurdecedoras» que tencionam transformar os festivais em discotecas ao ar livre – «com remisturas do último single dos Coldplay e tudo»!
*Referência, hum, erudita e criadora de ambiente ao magnífico conto de John Cheever, que deu azo a um swim movie (com Burt Lancaster, se não estou em erro; vá confirmar ao Google, que eu vou nadar.)
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