segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O envelhecer dos perdedores

Enquanto escrutino as degenerescências da minha pele como os macacos se catam, recordo a reportagem que vi sobre um meio-maratonista de oitenta e tal anos. Começou aos sessenta.
Com cinquenta e três, não cheguei à meia-maratona e encontro cada vez mais pretextos para deixar as sapatilhas penduradas. Os joelhos talvez frágeis, as costas a dar sinais misteriosos, o coração avariado. Mas também frio a mais, calor a mais, tempo a menos. Tudo me serve para postergar.
Nos últimos dois anos tive duas quedas e nos momentos mais duros comigo mesmo acuso-me de as ter provocado só para passar um mês ou dois sem correr, sem dilemas, sem remorsos.
O paradoxo é que gosto de correr (não só de chegar ao fim da corrida). Falta-me é paciência para os rituais preparatórios e energia para vencer os incómodos (planear, equipar, sair para o frio, sair para o calor, sair da cama).
Deve ser isto o envelhecer dos perdedores: consumir a perorar sobre um assunto o tempo que daria para tratar dele. Podemos ter a sorte de não chegar a morrer de doenças cardiovasculares, mas morremos sem dúvida de remorsos.

1 comentário:

  1. Nos meus sonhos também faço a meia maratona, essas coisas atraem-me como impossíveis desejáveis. Mas hoje, não chega apenas correr ou caminhar, há toda a parafernália de objectos que rodeiam a coisa e que fazem as lojas de desporto ganhar rios de dinheiro, isso, em definitivo, afasta-me. Ai de nós se comparecemos sem a garrafinha, o calção xpto ou a T-Shirt do evento (e alguns até são pagos)...

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