Não faço de propósito, juro. Estas coisas vêm ter comigo. Hoje a banda sonora era o êxito estival “Nós pimba” e ouvia-se, não na piscina — onde já nos vêm habituando à grande música intemporal —, mas nos relvados que bordejam o castelo onde sirvo.
Um rebanho de crianças, dessas que, num campo de férias, envergam cedo camisolas e bonés uniformizados, era orientado por um rapazola de barba que tinha instalado um par de colunas potentes à sombra de uma árvore. Não sei se a intenção da música era lúdica ou pedagógica — e creio que o monitor não saberia distinguir a primeira da segunda.
Já o vi noutra ocasião (ele ou um homólogo) pastorear o grupo de infantes como na universidade se conduzem os caloiros: filinha disciplinada à força de berraria viril e, nos momentos felizes, entoação colectiva da velha melodia militar que a Robbialac celebrizou.
Não se pode dizer, talvez, que havia proselitismo consciente na sua opção musical de hoje — ainda que juntar crianças e versos pimba debaixo de uma mesma sombra pareça a ilustração viva do ditado «de pequenino se torce o pepino» na sua acepção onanista. Quim Barreiros era capaz de escrever, se ainda não o fez, uma epopeia com este tema.
Mas serei benévolo. Não é justo, ainda que tentador, invocar a versão soft porn do ditado; o que testemunhei não era, enfim, uma aula de aeróbica masturbatória (seria caso para chamar os pais de Famalicão). O que está em causa é um entendimento alegórico tradicional: «tal como os pepinos, é necessário moldar as crianças o mais cedo possível». O voluntarioso rapaz-monitor limitava-se a fazer pela educação estética das crianças o que a sociedade vem fazendo há muitos anos de forma empenhada. Toda a festa de massas da família portuguesa, mesmo quando o mote ou o alvo são as crianças, decorre hoje quase sempre sob a égide e a cascata sonora da música e da poética pimba. Que crianças de tenra idade sejam entretidas com lírica brejeira e não raro misógina já só é obsceno num plano teórico em desuso. Isto não tira o sono a nenhum casal Mesquita Guimarães.
Para me confortar, mantive-me no domínio das alegorias brejeiras imaginando que o miúdo que por iniciativa pessoal saiu do grupo para baixar as calças atrás de uma árvore, mais do que a uma necessidade fisiológica, acorria a uma vontade de subversão. Pôs-se de cócoras não como o público perante os gurus do zeitgeist mas para uma declaração sobre a oferta musical do monitor.
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