Regressando de uma caminhada outonal, resolvo, imprudentemente, atravessar a cidade para ir comprar uns víveres antes de subir ao castelo. Cruzo-me aqui e ali com pares ou pequenos bandos de seres meio cambaleantes, maltrapilhos, cabelos escorridos, roupas molhadas, cheiro intenso. Mudo de passeio. E logo a seguir mudo de rua, quando vejo ao fundo um bando maior. Intuindo de onde vêm, recalculo o trajecto, como um GPS antigo quando lhe trocamos as voltas. Mas não adianta mudar o percurso, não param de vir, por todos os lados, e penso num ataque de zombies.
Ao chegar ao centro, a que faço uma tangente arriscada para não ter de dar uma volta ainda maior, vejo no meio da praça o grosso da seita, dezenas de espécimes muito juntinhos, aos pulinhos, como a “ninhada” num qualquer filme de série Z, entoando mantras. Quando lhes passo à ilharga, como que obedecendo a uma ordem mental do titereiro que os comanda e que me deve ter cheirado, uma ala inteira deles, cor uniforme, começa a descer na minha direcção, qual claque saltitante e urrante pastoreada pela polícia em dia de derby. Num primeiro momento fico apenas fascinado com aquela mole que vive e age em uníssono, como se partilhasse o mesmo cérebro. Depois, ainda dentro do meu filme de zombies, penso que, ao avançarem tão juntinhos, só me facilitam a vida e dispensam a mira — assim me tivesse lembrado de trazer a HK21 e duas ou três fitas de munições.
Continuo para o supermercado pensando que é melhor que na caixa não impliquem comigo por levar a fruta sem sacos de plástico.
Quando finalmente saio do transe, reconheço naquelas figuras que vagueiam e agora ultrapasso estudantes a regressar da latada. Alguns levam, não o ar ufano de quem venceu uma prova de iniciação, mas o ar indiferente ou entediado de quem cumpriu uma tarefa burocrática.
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