As ecohouses de Pedras
Salgadas têm recolhido elogios e prémios. Merecidamente. São de facto bonitas,
inteligentemente desenhadas e integradas no arvoredo do centenário parque. Convidam
irresistivelmente a habitá-las por um ou muitos fins-de-semana mesmo quem como
eu praticamente nasceu e foi criado naquele território romântico. Mas não sei
se tem sido referido um aspecto essencial: parte do sucesso das casas deve-se…
ao arvoredo do parque.
As ecohouses precisam de um
cenário. Tanto para os que se encantam apenas com as fotografias (e são a
maioria) como para os que de facto as visitam ou alugam. Quem já pôde confirmar
com os olhos que as casas são algo mais do que um belo projecto, com animações
3D muito pitorescas e realistas, terá por certo intuído que o cenário já era
bonito antes de as casas existirem.
Na verdade, o sucesso das ecohouses das
Pedras Salgadas iniciou-se há mais de um século, quando o parque começou a ser
plantado. Não abundam no país territórios como aquele e deveriam ser ferozmente
protegidos.
Uma parte das pessoas que ama as Pedras Salgadas, por baptismo ou
adopção, indignou-se com o projecto das ecohouses.
Parecia um sucedâneo miserável dos sonhos que as pessoas têm para ali. E de
algum modo estavam certas em achar as casas um sucedâneo. São-no. De uma forma literal
e pragmática. Substituem os hotéis que no seu tempo tiveram igual (ou maior) sucesso.
Mas substituem-nos não necessariamente de uma forma aviltante. Há um certo
realismo no projecto (e o realismo é quase sempre desmancha-prazeres), mas neste caso é um realismo sensato. Ou
antes: sensível. Há que reconhecer que as construções, ainda que modernas (ou por
isso mesmo), não feriram o território, respeitaram-no, dialogaram
construtivamente com ele, como a boa arquitectura sabe fazer. E são facilmente
desmontáveis, descartáveis, se acreditarmos que algum dia o termalismo terá suficiente
importância para encher hotéis em vez de casas nas árvores e defendermos que as
duas actividades são incompatíveis.
Há certa legitimidade em achar que os lucros de quem explora as águas
das Pedras (e paga os correspondentes impostos em Lisboa ou na Holanda) deveriam
obrigar — se não legal, moralmente — a concessionária a ser um pouco menos
realista e a sonhar um pouco mais com a terra. Mas esperar-se que reconstrua os
hotéis e os ponha a funcionar (como felizmente fez com o Balneário) é talvez irrealista,
se nos lembrarmos que a mesma empresa é também proprietária do magnífico Vidago
Palace Hotel, ali ao lado.
No curto prazo (enquanto o turismo termal não a estimule
suficientemente, se confiarmos que algum dia o venha a fazer), uma das formas que
a concessionária das águas tem de beneficiar a terra, de lhe assegurar um
futuro digno da sua antiga glória, é proteger
o património, como fez com as ecohouses
(e com o Casino, sejamos justos). Proteger desde logo, inexoravelmente, a sua
enorme riqueza botânica — e proteger o que resta de história, de memória nas
ruínas do Grande Hotel, do Hotel Universal, das Romanas (com a sua fonte e
edifício adjacente). Fora de muros, o território das Pedras Salgadas tem sido
paulatinamente descaracterizado. De termal resta ali praticamente a memória.
Dentro de muros, há abundância de fantasmas, mas fantasmas benignos e
eventualmente lucrativos.
Depois dos buracos deixados pela demolição do Hotel do Norte, do Bazar
Fotográfico, da Pensão do Parque e do Hotel Avelames (deve dizer-se que este tinha
sido já bastante prejudicado por intervenção medíocre anterior, que além de
descaracterizar o edifício abriu uma clareira no bosque contíguo,
revelando que os arquitectos responsáveis não perceberam o espírito romântico e
o interesse da sombra num parque termal); depois da demolição da Casa de Chá na
Romanas, a concessionária das águas mostraria já um grande respeito pela terra,
ajudá-la-ia bastante (por vezes até contra a vontade dela) se não permitisse o
abate de nenhuma árvore que não estivesse doente e se parasse com as
demolições.
O turismo termal nos dias de hoje tem potencialmente mais motivações do
que a tradicional ida a águas. Há a vertente da natureza (que o marketing das ecohouses evidentemente explorou) e há uma “arqueologia termal”, um
“turismo de época”, de “nostalgia” que não deveriam ser negligenciados. Ora,
estas duas vertentes só poderão ser rentabilizadas se o património edificado persistir,
como em Roma o Coliseu ou o que resta do Fórum. Claro que custa muito dinheiro
pôr os edifícios habitáveis, mas custa certamente muito menos estabilizá-los,
dar-lhes segurança, fazer deles elementos dignos da paisagem, do cenário que são
o parque termal e as Romanas. A Unicer será já amiga das Pedras Salgadas se
deixar de demolir património e se impedir a sua descaracterização. Se zelar
para que quaisquer intervenções nas suas propriedades (ou em áreas que com elas
conflituem) se façam com a mesma inteligência, o mesmo gosto, a mesma
sofisticação, a mesma clarividência arquitectónica das ecohouses.
Estão em curso intervenções na marginal ao rio (e
ao Parque) e nas Romanas. Eis um bom momento para a Unicer assegurar que no futuro
lhe agradeceremos a defesa intransigente que ela fez da nossa memória, do nosso
património — e do
nosso futuro. É que se se distrai ainda lhe plantam uma rotunda com uma
torneira em frente à entrada.
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