terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

10 livros que me marcaram

[Desafiado para uma “corrente” no Facebook, fiz a seguinte lista, que não resisti a comentar. Escuso de dizer que os dez livros indicados não são os dez livros da minha vida, mas apenas alguns deles.]

1 - A MONTANHA MÁGICA, Thomas Mann.
Li-o numa edição que já tinha passado por várias mãos, sem capas, em papel amarelado, com cheiros antigos, talvez a edição perfeita para me transportar para a época da acção. Foi-me emprestado pelo meu grande amigo Carlos Chaves e, entre tantos, fiquei-lhe a dever também este favor: de me por na rota da literatura séria. Era Inverno mas nos dias que demorei a lê-lo nunca houve frio. Na cama, funcionava como um cobertor extra, um que aquecia também a alma.

2 - A GUERRA DO FOGO, J.-H. Rosny, pseudónimo dos irmãos belgas Joseph Henri Honoré Boex e Séraphin Justin François Boex.
Também é uma recordação de calor por fonte literária. Devo dizer que não tenho a certeza absoluta de que o livro que me ficou na memória seja este, embora pela pesquisa qui fiz na Internet a probabilidade seja bastante grande. Terei de ver o filme. As razões por que me marcou serviram já de inspiração para este post: http://www.canhoes.blogspot.pt/2011/12/planos-de-vida.html e um conto (“Velas benzidas”), que, já agora, publicarei aqui num post a seguir.

3 - CRÓNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA, Gabriel García Márquez. Li-o de uma assentada com espanto por ficar preso a uma história de que sabia o fim. Tinha andado a fazer a limpeza de Primavera (na minha terra fazia-se na Páscoa uma limpeza anual aprofundada à casa, e eu devo ter demorado a livrar-me do ritual). O mundo, como a casa e os lençóis lavados, cheirava a fresco, parecia estar a começar de novo, resplandecente e auspicioso. Tenho de me lembrar dessa receita para estes dias de chumbo. Uma barrela e um livro.

4 - O PROCESSO, Franz Kafka. Durante alguns anos, dizia, como elogio à força do livro, que durante a leitura, nas partes do tribunal, me doía o pescoço ao imaginar-me nas galerias de tecto baixo que obrigavam a assistência a ter a cabeça dobrada. Hoje nem sequer sei se o livro tem de facto uma parte assim ou se, como tantas vezes, a minha memória se pôs a ficcionar. De qualquer modo, a estranheza das histórias e o magnetismo da escrita de Kafka, neste e nos outros romances e contos, foram definitivamente marcos literários na minha vida.

5 – A PORTA DOS LIMITES (Urbano Tavares Rodrigues) e 6 – FATHERLAND (Robert Harris).
Refiro estes não exactamente pela sua qualidade literária (de Urbano teria de referir A Vaga de Calor), mas porque em dois momentos da vida me alertaram para o facto de que havia mais literatura (e prazer) do que a de aventuras ou de ficção científica. Depois deles estava pronto para A Montanha Mágica. Que foram marcantes, testemunham as vezes que já os mencionei, como neste post: http://canhoes.blogspot.pt/2011/11/de-equivoco-em-equivoco.html e num outro de uma vida anterior do blogue que talvez um dia reponha por aqui.

7 – EM NOME DA TERRA, Vergílio Ferreira. É este mas podiam ser vários outros do mesmo autor. Folheei-o na casa de alguém com uma atitude snob, não querendo acreditar que a proprietária o comprara intencionalmente, o não confundira com literatura do coração. (Consegui ser muitas vezes parvo ao longo da vida.) Eu nunca lera nenhum livro de Vergílio, mas por ter ‘ouvido dizer’ que era bom achava-me já no direito de desconfiar de quem de facto o comprara para ler. Enquanto o folheava, fui agarrado pelos tomates. Aquilo era avassalador: a escrita, o ambiente, a narrativa, a indagação existencialista, a poesia amarga ou melancólica do discurso. Revia-me intensamente naquele tom e entrava com assombro num mundo de gente mais velha, que olhava para a vida de outro estádio, para mim ainda estranho. Pedi-o emprestado e de seguida comprei e li tudo o que apanhei do autor, aproveitando sofregamente as pausas do almoço.

8. O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS, José Saramago
Comecei pelo Evangelho Segundo Jesus Cristo, que achei bom, mas passado num ambiente e num estilo de parábola que nunca me entusiasmaram. O Ensaio Sobre a Cegueira (que já não me lembro se li antes ou depois de O Ano da Morte…) pareceu-me “bom demais” e, na minha juventude insegura, temi estar a ser levado por um eficaz efeito cinematográfico (antes de haver o filme). O Ano da Morte de Ricardo Reis parecia-se mais com os clássicos e tinha uma história menos fantástica, apesar da sua improbabilidade. A Lisboa narrada, o ambiente no quarto, na sala de jantar, no hotel, nas próprias ruas, as relações entre as personagens, tudo isso tinha para mim muito de A Montanha Mágica, para dialogar com outro livro desta lista. Deveria lê-lo de novo para perceber se a parte política, agora mais percebida, me teria influenciado negativa ou positivamente. Seja como for, o menos saramaguiano dos livros de Saramago ficou-me na memória e nos afectos como um dos livros da minha vida. De resto, prefiro este lado mais sombrio e kafkiano da obra do autor: Todos Os Nomes seria a minha segunda escolha.

9. O ANIMAL MORIBUNDO, Philip Roth
Este é uma leitura mais recente, com uns seis ou sete anos. O fã de aventuras e ficção científica tinha-se transformado e passara a interessar-se por quem escrevia sobre a vida das pessoas, a sua psicologia, as suas relações, a doença, o amor frustrado, os sentimentos, etc. Já passara nos anos anteriores por Updike, Bellow, Carver, etc. Talvez ainda fosse o mesmo fascínio da Natureza, das sagas, do Universo, mas agora concentrada na aventura e no mistério de estar vivo. A prosa de Philip também ajudou a que por aquela altura me apetecesse oferecer o livro a toda a gente. E ainda não tinha lido O Complexo de Portnoy.

10. AS LÁGRIMAS DE MEU PAI, de John Updike. (Também podia ser Procurai a Minha Face.)
Leitura ainda mais recente, esta colecção de contos é tudo o que gostaria de escrever na terceira idade, se algum dia lá chegar. (Bem, é tudo o que eu não me importava de escrever ‘agora’…) A mestria da escrita, a serenidade do tom, a paz, a evocação não exactamente nostálgica nem traumática da vida dos protagonistas… O livro é uma espécie de testamento, de despedida do escritor. Pelo menos eu li-o assim. São histórias de gente idosa que se encontra com velhos colegas de liceu em jantares de curso ou por acaso, que se visita em lares de terceira idade, que reencontra antigos cônjuges ou amantes, que confere a lista de baixas, as doenças, os desaparecimentos, as inflexões nas relações, as mudanças de carácter. Que revisita lugares antigos. Mas tudo é relatado, observado com uma ironia carinhosa, um afecto cordial e discreto. Como só os espíritos superiores podem olhar para a vida.

[O décimo livro poderia ou deveria ter sido O Teu Rosto Amanhã, de Javier Marias, mas sobre ele teria de me atrever a um longo texto e isto já vai suficientemente arrastado. Já o aflorei em pelo menos dois posts, este http://canhoes.blogspot.pt/2013/10/moldando-o-entusiasmo.html e este http://canhoes.blogspot.pt/2012/03/o-tempo-e-prosa.html.


E A Piada Infinita? E Liberdade? E A Viúva Grávida? E...?

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